sábado, dezembro 23, 2006

Pois não existe natal no consumo.

Deus está proximo
mas difícil de apreender.
Onde, porém, há perigo
cresce também a salvação"

Holderin em Patmos (Tipos Psicológicos, 254).

Aumento no congresso

Aumenta em 90 e caralhada porcentos o salários de nossos digníssimos senhores, mas não doutores, representantes. Sim. Avacalhação total? Imagine. Estamos em festa, tempos festivos. Vinte e quatro mil? Não perceberam que o número vinte e quatro é pra dizer que eles são gays? Não gente, não é insulto. Se trata de outra coisa. Se trata de festa.

Festa de arromba, que arroma sem dó. Peguei um estágio agora, em saúde mental, ganharei 327 reais por 20 horas semanais. Alguem com nível superior que passe para um cargo público em psicologia começa ganhando por volta de 1.200 reais, um artística plástico já ganha por volta dos 800. Vinte e quatro mil. É justo, afinal, são tempos festivos. Não existem ocupações de sem teto, não existe movimento sem terra. Não existe miséria. Alguém já viu um mendingo na rua? Não mintam, é obvio que nunca viram, pois aquele que dormem na rua é porque estão de ressaca, pois estamos em tempo de festa, e eles estão comemorando!

A festa as vezes passa da conta, na vodka, na cachaça ou no dinheirinho. Então uma senhora biruta pega uma faca e mete no sujeito neto do senhor ACM. Ela mete, é claro, porque estamos em tempos de festa e, em festas como a nossa, é possível essas coisas de "inversão sexual". Então ele pegou a faca e meteu, meteu no fundo. Deve ter doido, mas tem gente que gosta, afinal, é festa!

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Conversas: Da Repetição a Criação.


Parte III: A Inserção do Tempo e do Intempestivo

Saiamos do campo da crítica, que tanto consome. É preciso deixar de ser reativo e passarmos a afirmação, afirmação de um modelo que de conta da invenção. Ou seja, temos que sair da reprodução de imagens separadas, da internalização de um ente morto, um ente doente em sua reificação. Kastrup[1] fala que é necessário o tempo, o intempestivo, mas, na verdade, ambos não se confundem. Temos que saber separar o tempo cronológico, causal e mecânico, do que é acausal, incerto ou demasiadamente complexo. Os gregos faziam esta distinção no que eles chamavam de tempo cronológico e kairótico. O tempo cronológico, representado por uma reta, é um tempo constituído na linearidade, continuo, mas ordinário. Causal e mecânico, por conseguinte, ordinário. Ordinário porque é o tempo da repetição, apesar de ser também o tempo da ação, mas se tudo fosse causa, a causa última seria a causa de tudo. Na psicanálise identificamos esse “Dieu” no “complexo de Édipo” e, de maneira banal, toda interpretação onírica ou de um caso acaba levando ao mesmo ponto invariante, ao mesmo ponto central.

Central é o ponto que tocamos. Não falo aqui de qualquer masturbação, mas do que é intempestivo, daquilo que acontece como um relâmpago e nos tira do lugar, aquilo que produz uma alteração profunda no comportamento, e modo de ser, daquele sujeito que estava parado no sinal da esquina da central do Brasil. Nietzsche chamava aquele sujeito adaptado demasiadamente, a seu tempo, de decadant. Clamava não só pelo intempestivo, mas pelo extemporâneo, pois o bonito no homem é ele ser uma travessia e não um ponto final.

Mas voltemos a cognição, especialmente a Bergson, grande amigo. Bergson falava de diferentes “planos de consciência”, onde, através de uma metáfora piramidal, ele começava sua falação. “A pirâmide é formada em sua base por representações que são imagens, as quais, possuindo a forma da percepção, estão próximas da matéria. Em seu topo, estão situadas representações condensadas, dotadas de virtualidade, como o ‘esquema dinâmico’” (Kastrup, ibidem: 98-99).

Aqui podemos ver uma ampliação do conceito de representação, pois inclui um esquema dinâmico, onde existem, em virtualidade, representações condensadas, permitindo a criação de uma multiplicidade de imagens possíveis. A busca de uma palavra, de um som, de uma imagem é o esforço de invenção, ou seja, não se trata de algo causal, onde há reversibilidade. Na psicologia, a qual antes citamos, vamos ver esse esforço inventivo, criativo tanto na psicologia complexa de Jung como na esquizoanálise de Deleuze e Guattari, ambas as psicologias, diga-se de passagem, influenciadas por Bergson e Nietzsche.

A inteligência, como dissemos, não está no lugar do conjunto de representações previstas, previsíveis; podemos ainda tentar ampliar nossa compreensão sobre esse conceito, sem ter a pretensão de defini-lo. Segundo Bergson ainda, a inteligência tem uma diferença interna, e passa das representações mais repetitivas à representação mais virtual. Com essa compreensão de virtualidade podemos nos localizar numa criação que não é nem pura “solução de problemas”, sendo portanto representação provinda de re-cognição, nem provém “ex nihilio”.

[1] - Kastrup, A invenção de si e do mundo. : uma introdução do tempo e do coletivo no estudo da cognição, 1999: SP, Papirus.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Conversas: Da Repetição a Criação.


PARTE II: Inteligência Artificial e a Lógica da Representação

As teorias de Piaget e da Gestalt podem ser chamadas de cognitivismo e, na atualidade, encontrarão novas teorias “semelhantes” a elas como o estudo cognitivo da inteligência artificial (I.A). Podemos, primeiramente, falar de uma I.A forte e outra fraca, a primeira se refere a um isomorfismo entre a cognição entre humanos e computadores e a segunda sugere uma equivalência fraca entre ambos (apenas mesmos grafos e resultados).

Na I.A forte podemos perceber, logo de cara, uma dissociação da percepção com a consciência e com a experiência, isto é, falamos de um modelo formal invariante de cognição. Formas duras, impermeáveis ao intempestivo, a experiência. Pensamos, seguindo essa lógica, que a maquina pode pensar, além de possuir memória. Qualquer critica a esse modelo não pode negar que a maquina possui um conjunto de signos armazenados, seguindo sua lógica binária, onde a lógica 0-1 corresponde à abertura e ao fechamento de circuitos eletrônicos. Representar signos não significa, entretanto, inteligência.

A I.A parece buscar Kant para seu estudo (aproximação estudada por Joelle Proust), procurando conter todas as possibilidades de cognição dentro de dois eixos: O real e o possível, sendo o possível o plano das condições a priori e o real o plano dos conhecimentos efetivos. Nesse estudo não existe lugar para a invenção, já que todo real é limitado pelo a priori, existe uma estrutura invariável assim como as categorias a priori em Kant. A idéia de maquina universal, com em Turing . Se os estudiosos da I.A forte acreditam na inteligência dos computadores, talvez se deva a um erro na conceituação de inteligência. Jogar xadrez, por exemplo, ainda não é inteligência, pois todos os movimentos são passiveis de serem armazenados num conjunto de representações inertes, i.é, num conjunto de signos limitados. A inteligência, ao contrário, se manifesta no cotidiano, em situações onde somos levados a todo tipo de incertezas, ao intempestivo (de fato, ela pode se apresentar de muitas formas, desde formas intelectuais, a sensuais, sentimentais ou intuitivas). No cotidiano, não basta um conjunto de repertórios condicionados, pois o tempo todo somos levados a desbravar por novos caminhos e nos adaptarmos, ou não, a novas situações.

Cabe, portanto, uma discussão epistemológica. Segundo Varela as teorias da representação, como o caso da I.A, se dividem em duas posições: o realismo e o idealismo. O realismo afirma a existência dos universais antes da coisa (ante rem) e que os conceitos gerais existem em si mesmos, a modo das idéias de Platão (Jung, Tipos Psicológicos, 1991) já o idealismo fundamenta a representação na unidade do sujeito cognoscente (Varela). A I.A segue, como mostramos, um modelo realista, só que não o realismo filosófico, mas um realismo cognitivo, pois tem interesse nas representações que dependem da interação com o “ambiente”. O realismo cognitivo permanece, no entanto, no espaço intermediário (após conceituaremos as diferenças entre intermediação e mediação) entre sujeito e objeto tratando ambos como espécies de mônadas representacionais (lembrando Leibniz), ou seja, regiões pré-dadas em “relação”.

Se conhecer fosse de fato representar, estaríamos num mundo atemporal, onde existiria apenas re-cognição, ou seja, apenas re-visão “do mesmo”. Aquilo que se repetiria eternamente, a mesma imagem, o mesmo som, o mesmo cheiro, o mesmo caixão.

Não gostaria de me estender, apenas coloco então que muitas criticas poderiam se apresentar a tese da I.A dura, por exemplo, ao conceito de informação (em contraponto à cognição inventiva e a noção de agenciamento). Seria também importante um estudo sobre a aprendizagem, que não a limitasse ao famoso “decorar matérias” e resolver problemas já dados. Aprender é antes des-cobrir um outro, agenciar-se com ele (usando os termos deleuzianos) e descobrir onde há afetação, onde a um novo descobrimento de si e do mundo. Para mais informações sobre a I.A vejam o livro de Levy “As tecnologias da inteligência”, assim como Kastrup: “A invenção de si e do mundo” e “Maquinas Cognitivas: da cibernética à autopoeise”. É, eu também tenho que ver muita coisa..

[1] - Essa conceituação é feita por Z. Phylyshyn.
[2] - http://pt.wikipedia.org/wiki/Máquina_de_Turing_universal

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Conversas: Da Repetição à Criação

(post alterado)

PARTE I: Modelos Invariantes e a Lógica da Representação.

Pretendo apenas começar uma conversa entre discursos, sem recheio de citações, especialmente sobre o tema da invenção, ou da criatividade. Uma conversa crítica. Por criatividade não compreendo o movimento de solução de problemas simplesmente, por mais que a criatividade também possa passar por essa esfera de resoluções, mas também como criação de novos problemas e surgimento de algo que não se limita à mera representação, isto é, a repetição.
As escolas cognitivistas em psicologia, como a Gestalt e a Psicologia do desenvolvimento de Piaget, baseada em sua epistemológica genética, acabam por ressaltar a re-cognição na base da cognição e da percepção. Ressaltar a recognição significa dizer que elas, ao abordarem a cognição, criaram modelos de aprendizagem ou percepção “normais”, na relação entre sujeito e objeto, ambos objetificados, onde não haveria margem para uma modificação desses modelos. Acabam, portanto, por louvar um modelo estruturalmente fechado de cognição, de percepção, que limita o sujeito por remetê-lo a um “instituído” cognitivo, ao invés de abrir margem a modificações estruturais, da própria lógica que se baseiam.
A Gestalt, por exemplo, foi influenciada pela fenomenologia de Husserl, e procurou os invariantes perceptivos, como as leis da boa forma (o eidos do fenômeno, após a observação da variação eidética) no estudo da cognição. Ela acabou por falar da cognição como algo que está entre o sujeito e o objeto, na relação entre ambos, pressupondo duas categorias ontológicas distintas e marcadas, como se pode observar, por leis invariantes. Isso abre margem, por exemplo, a considerar tudo que está fora dessas percepções invariantes como patológico, irreal.
A relação do sujeito com o objeto, mediada pela cognição perceptiva, seria limitada não por aspectos ontogenéticos, como a memória ou outras funções pessoais, mas, como eu disse, por modelos universais como as leis de “figura e fundo”, “proximidade”, “semelhança”, etc fazendo assim um contraponto ao behaviorismo em voga na época. Ela, todavia, acabava por tirar o sujeito do condicionamento que destrói toda criação e inseri-lo numa nova lógica que também acaba com ela. Dessa forma, tudo que foge ao equilíbrio da boa forma retornaria a ela, mesmo que sobre um outro aspecto. A criatividade ai se resumiria aos famosos inghts, que seriam reestruturações cognitivas, que não podem ser confundidas com invenção, pois se trata, na melhor das análises, em meras “soluções de problemas já dados”. Logo, a cognição mesmo quando sai de seu foco padrão, se voltaria a um outro padrão, a uma outra forma cognitiva a priori.
Já Piaget, apesar de colocar o tempo no estudo da cognição, colocá-la no próprio desenvolvimento ontogenético do sujeito, acabou por não escapar das mesmas invariantes. Na teoria de Piaget, com sua lógica científica, uma pessoa se limita a sua própria estrutura cognitiva momentânea, para assimilar ou não determinado fato. Existem, para essa teoria, diversas estruturas cognitivas hierarquizadas (a criança precisa de descentrar para apreender outra lógica e se recentrar num modelo superior). Falando das fases do desenvolvimento da criança, acaba por limitá-las a um mesmo processo universal e generalizante que massacra o diferente, que não está contido em suas categorias. A lógica que o move é a lógica científica e, no movimento teleológico que cria, acaba por identificar o desenvolvimento final com a ciência positivista, com a criação das hipóteses dedutivas no pensamento do sujeito.

quinta-feira, novembro 30, 2006

O motoqueiro e o som misterioso


Pegou as malas e saiu. Corajoso como fora há dias atrás, quando pegou todas as contas atrasadas e acendeu aquela fogueira. Ascendeu aquela fogueira de maneira relaxante, como que livrando-se de um excesso de peso que machuca as costas. Deixara que aquelas contas se acumulassem, pela sua própria maneira de viver, consumista sim, mas não submisso. Mais se assemelhava a alguma espécie de parasita estranho, excêntrico, que os anti-corpos ainda desconheciam. Parecia mesmo que ele era mutável, tão mutável que antecipava a si mesmo, e se escondia nas neblinas de sua própria falta de identidade.

Saira do seu quarto imundo para entrar naquela estrada, avermelhada e úmida, e quanto mais sua moto antiga seguia por aquelas vias pouco usadas, mais parecia aumentar a chuva. Um barulho, como que um gemido divino o perseguira, mas ele não sabia bem do que se tratava, pensou primeiro que podia ser sua moto, mas logo desistiu de sua hipótese, pois o som era muito disperso, estranho e atraente.

Luis sentiu-se atraído por aquele som. Seu percurso perambulante agora tinha um rumo, encontrar a origem daquele som tão belo, indistinguível e difuso como aquele próprio lugar. Nestas situações que inspiram a mente filosófica, ascendeu um baseado e começou a imaginar como seria se ele fosse apenas uma história contada, de geração em geração, sobre um maluco que escutava os sons da vida, e surfava com sua moto pelos túneis da realidade. A vida para ele era como uma majestade, não existiam bifurcações naquela estrada, ela levava a um lugar só, como que por desígnio divino.

O eco do espaço juntava-se a fumaça que saia da boca de Luis, e encontrava-se com os pequenos matagais nos cantos da estrada avermelhada. Cada vez que a fumaça encostava-se aos matagais, a estrada dava uma tremida, como que tivesse vida, como fosse um pequeno terremoto. E se a estrada estivesse se mexendo, e Luis apenas estivesse parado, o tempo todo? Pensamentos estranhos vagavam por aquelas terras inóspitas.

Durante sua viajem, que já não se sabia se era real ou fantasiada, começaram a aparecer um grande número de motos, com o mesmo destino de Luis, com seu rumo, atrás do som sensual e chamativo, como o de uma sereia mais bela que as aquarelas de Deus. Ele havia se perguntando sobre aquela situação: O que acontecera? Por que tantas motos? Por que essa dis-puta? O mar de perguntas vinha sem as ondas de resposta. Fez então o que qualquer ser humano normal faria nessas situações: Acelerou sua moto e começou a corrida.

Passados alguns minutos já havia despistado aqueles idiotas. Passou a mão no rosto e enxugou os olhos da água que caia, que nessa hora já era excessiva. O som aumentava e tornava-se cada vez mais perceptível, era uma voz feminina, um som de gemido, de prazer. Acelerou então ainda mais a sua moto velha e suja de poeira, tirou seu casaco com seus patches do Motorhead e deixou jogado nas costas. Aquele local começara a ficar mais escuro, mas algo já se pronunciava a sua frente.

Era uma mulher de olhos castanho-mel, mas não era isso que chamava mais atenção e sim sua nudez radical. Ela era o núcleo de todo aquele mundo estranho. O ponto visceral de toda aquela espécie de realidade, coisa que ficara evidente para ele, apenas por uma questão sensitiva. Parou então sua moto suja e dura, que misturava em sua cor poeirenta as cores das cervejas e vinhos de terceira ali derramados. Pegou uma rosa de tijolos e deu a mulher da nudez radical.

Ela olhou seu rosto, segurou com força suas bochechas e ficou examinando. Foram momentos de tensão, indescritíveis por palavras. Então segurou seu pênis com a mesma força e intensidade e falou algo em seu ouvido, algo que até hoje não se sabe, mas que fez Luis suar como uma lebre no cio. O volume e fluxo de sangue no corpo do Luis mudaram totalmente de foco, da defesa para o ataque, e concentraram-se no membro peniano.

Ele então segurou aquele peito maravilhoso com uma das mãos, enquanto a outra passava pelas pernas e subia, até encontrar o ponto de ebulição, nem em cima, nem em baixo, mas no meio, aquele que entre extremidades faz tremer a terra e cair um dilúvio. Ela tremeu com o leve tocar do dedo indicador de Luis em seu clitóris, a passagem foi tão suave como uma nuvem que desliza empurrada pelo leve vendaval, suave como uma pluma.

A chuva intensificara-se ao mesmo tempo em que aumentava o som externo do gemido divino e abria-se um imenso sorriso no rosto da mulher da nudez radical. Ela então tomou a dianteira e empurrou Luiz para o chão vermelho e macio daquela realidade na qual se encontravam. Um leve mexer de sobrancelhas dizia a Luis que eles não tinham tempo... Ele avistou então, enquanto aquela maravilhosa vagina cobria amorosamente seu pênis, um mar de motoqueiros devassos fãs de Judas Priest correndo freneticamente em sua direção, como se tudo aquilo tivesse haver com a vida e a morte.

Foi então que ele se lembrou do que a mulher da nudez radical dissera em seu ouvido, e percebeu como tudo aquilo era de fato importante. Nesse momento toda terra parou e progrediu ao corpo de Luis e da Mulher da nudez radical que se juntaram numa realidade onde não havia mais distinção entre ele e ela, terra e mar, corpo e alma.
Tudo se tornara preto, como o breu da madrugada de uma cidade sem lâmpadas, como o inicio e o fim dos tempos. O silencio absoluto precedeu o auge do som, do calor e da chuva. Corpos relaxados e sensação de bem-estar. A flor de tijolos se abre, e um ponto de luz sai de lá.

terça-feira, novembro 28, 2006

Impregnado


Constato, com demasiado tato, que hoje dizem muito sobre o dado. O dado, um tanto generalizado, é usado só porque é quadrado, e com seus seis lados, só pode ser jogado por alguem que, sistematizado, não consiga rolar como uma bola. Assola minha mente essa gente que não roda e nem se atola! Que tom dormente tem essa mente que não chora quando amola um faca cega! Doente re-insidente, residente dessa lógica gincanesca, que permanece como uma virgem a la putanesca, inpenetrável. Abra as pernas e deixe o dado pelado!

Dado o dado do postulado, como um fato fadado a seguir o passado, como dizer que algo pode vir-a-ser impropriamente a própria mente de algo demente, imprudentemente? Não é a mente, que não mente, impropriamente julgada numa vara - NÃO FÁLICA - de ser ela mesma um fato? Mas que ato covarde, mas que fato que cheira a poeira! Como se tudo fosse sempre o mesmo cinza, dizem não ao amarelo, como se amar-elo fosse algo indiferente, ver-de longe essa coisa é coisa pouca e de certo fica seco na bouca, pois a louca tragédia do elo, é como um grande cast-elo, castando sua própria destruição, como numa maldição inflingida a fingida vida presa a si.

Ver-melhó é preciso. E então o chuvisco poderá voltar a nos molhar, numa era sem azá.

sexta-feira, novembro 03, 2006

Para além do Positivismo


Para além do Positivismo
– Contribuições da epistemologia junguiana para uma epistemologia complexa.

Resumo

Pesquisamos, através de revisão bibliográfica, as contribuições da epistemologia junguiana para uma epistemologia complexa, observando onde e quando podemos dizer que há uma superação, mesmo que relativa, do modelo positivista. Se, de fato, Jung começou seu trabalho psiquiátrico utilizando-se de uma postura positivista, abriu-se um grande leque, posteriormente, de compreensões epistemológicas na teoria junguiana, contribuições estas que se mostram de extrema valia para uma epistemologia complexa.

1 - Introdução:

Abordaremos, no presente texto, o tema “contribuições da epistemologia na teoria de Carl Gustav Jung (1875-1961) para uma epistemologia complexa” na tentativa de reunir elementos de sua obra, e de pesquisadores do tema, que abordem as questões relativa ao “ato de conhecer” e reflexões acerca dos métodos de acesso ao conhecimento utilizados e propostos por Jung, tal como de que forma as contingências desse conhecimento se dão, mostrando inclusive onde, nos textos de Jung, ele utiliza pressupostos modelares ou paradigmáticos, científicos ou filosóficos. Procuraremos descobrir se existem ligações fundamentais e contribuições valorosas da epistemologia junguiana para uma epistemologia contemporânea e complexa.
O tema pareceu importante visto o preconceito que alguns pesquisadores, na academia, estabelecem com Jung e com a psicologia analítica, devido à falta de leitura de sua obra e vendo-a indiretamente através dos olhos de outros autores. Esboçaremos a pergunta que urge por respostas: “Existem contribuições na epistemologia utilizada por Jung para uma superação do positivismo em psicologia?”.
Para abordarmos a epistemologia em Jung, termos que abordar a complexidade e diferentes paradigmas[1] que se desvelam durante toda sua extensa vida e obra, desfazendo nossa típica unilateralidade, objetiva ou subjetiva, para analisar a relação sujeito-objeto e suas nuances. Jung viveu o bastante para passar por momentos de profunda mudança nos paradigmas da ciência e pode conceber um discurso acerca do conhecimento que possibilita a não hierarquização da ciência como saber único, como diz Mello “a ciência não é o saber, mas um saber” (Melo, 2002 1: 25). Em outras palavras: “A ciência, no entender da psicologia analítica, é uma teoria sobre o real, é um método, um instrumento ocidental, cujos conceitos são simples instrumentos destinados a facilitar a exploração da realidade do inconsciente. Logo, as teorias não são respostas definitivas trazendo o perigo de cedermos a ilusão de termos captado o todo, como se ao nomear o desconhecido tomássemos posse dele. A ciência seria uma modalidade de compreensão, culturalmente a mais valorizada e só se torna demolidora, quando reivindica para si o privilegio de ser a única e a melhor forma de apreensão (Jung 1968a apud Melo 2002 2)”.

2 – Metodologia

Este estudo foi realizado a partir da revisão bibliográfica da obra de C. G. Jung, assim como de pesquisadores do tema, “epistemologia na psicologia analítica”, como Heloisa Cardoso e Elizabeth Mello e de uma “epistemologia complexa” como Fernando Rey.

3 – Positivismo e Rompimentos.

Certamente não podemos descartar as influencias do positivismo e da objetividade no estudo e historia de Jung, especialmente porque ele começou utilizando-se de testes experimentais para abordar questões da psicologia freudiana, e só depois se aproximou de um estudo do conhecimento que Cardoso chama de “anti-positivista”. Para esclarecer o protótipo do positivismo e anti-positivismo citamos Cardoso: “o anti-positivista – é relativista, entendendo o mundo a partir dos indivíduos que o integram, só se podendo captar o significado de uma situação do ponto de vista do quadro de referência de seus participantes. Não existe qualquer conhecimento objetivo, podendo-se no máximo se chegar a um acordo inter-subjetivo” (Cardoso, 2002) enquanto “o positivista – procura explicar e predizer o que acontece no mundo, buscando regularidades e relacionamentos causais, através de pesquisas experimentais e da possibilidade de falsificação de hipóteses. Para ele, o conhecimento é acumulativo”. (ibid).
Jung na sua “primeira fase”, da ciência clássica, da “psicologia experimental, estudos comportamentais usando psicofísica e linguagem” (Melo, 2002 1), ainda mais próximo do modelo cientifico positivista utilizou-se de experimentos, estando numa perspectiva nomotética, que segundo Cardoso se refere à preferência do “(...) rigor técnico, a sistematização, a quantificação, os testes de hipóteses, usando questionários, testes de personalidade, instrumentos personalizados de pesquisa etc”. (Cardoso, 2002),
Jung disse: “Com as experiências de associações (1903), começou minha atividade científica propriamente dita. Considero-as como meu primeiro trabalho realizado na linha das ciências naturais. Foi então que comecei a exprimir meus pensamentos próprios. Depois dos Estudos Diagnósticos sobre as Associações (1903) apareceram duas publicações psiquiátricas: Psicologia da Demência Precoce (1907) e O conteúdo das Psicoses (1908). Em 1912 apareceu meu livro Metamorfose e Símbolos da Libido, que pôs fim à amizade que me ligava a Freud. Nesse momento – nolens volens – comecei a seguir o meu próprio caminho”. (Jung, 2005: 182).
Sobre a questão do trabalho experimental Jung nos diz em artigo de 1936 revisto em 1954: “Eu próprio conduzi durante vários anos um trabalho experimental; no entanto, através de minha ocupação intensa com neuroses e psicoses fui levado a reconhecer que – por mais desejável que seja a avaliação quantitativa – é impossível prescindir do método descritivo qualitativo. A psicologia médica reconheceu que os fatos decisivos são extraordinariamente complexos e só podem ser apreendidos através da descrição casuística. Esse método porém exige que se esteja livre de pressupostos teóricos. Toda ciência natural é descritiva quando não pode mais proceder experimentalmente, sem no entanto deixar de ser científica. Mas uma ciência experimental torna-se inviável quando delimita seu campo de trabalho segundo conceitos teóricos. A alma não termina lá onde termina um pressuposto fisiológico ou de outra natureza. Em outras palavras, em cada caso singular, cientificamente observado, devemos levar em consideração o fenômeno anímico em sua totalidade”. (Jung, 2006: 68).
Em sua época, no campo da psicologia, quem reivindicava para si o titulo de “ciência natural” era a psicofísica, além da psicologia experimental. Jung dizia, em 1924 que: “A psicologia analítica ou complexa – como também é conhecida – se distingue da experimental pelo fato de não isolar as diversas funções (funções sensoriais, fenômenos psíquicos etc.) e de não submetê-los aos condicionamentos experimentais a fim de explorá-los; pelo contrário, procura ocupar-se com a totalidade dos fenômenos psíquicos tal como ocorrem naturalmente, o que constitui um conjunto extremamente complexo” (Jung, 2002: 96-97). Aqui já se desvela a própria complexidade no estudo junguiano, complexidade que não permite um associacionismo ou elementarismo, mas procura estudar os fenômenos de maneira complexa, in situ, e não dissociados.
Ele se enfatizou, portanto, uma perspectiva qualitativa, mesmo que tenha começado utilizando uma base positivista, tal como Freud que, na época, ainda estava sobre uma grande influencia positivista, estava “sob a égide de uma perspectiva ‘fisiologista’, mecânica, hidráulica, ou seja, referente ao paradigma cartesiano-newtoniano”. (Melo, 2002). Apesar de todo o dito, a psicanálise já se apresentava como ruptura no que concerne ao inconsciente, inconsciente este que será postulado de maneira nova por Jung.
Segundo Fernando G. Rey em “Pesquisa Qualitativa em Psicologia” o qualitativo é além de uma simples metodologia, mas constitui uma epistemologia diferente do quantitativo e do positivismo. Ele diz: “A contradição entre o qualitativo e o quantitativo não se expressa instrumentalmente, mas nos processos centrais que caracterizam a produção de conhecimento” (Rey, 2002: 30). E é justamente para esse lado que Jung parece se encaminhar, quando rompe com Freud, onde “o rompimento com o seu mestre e amigo em função das criticas, não aceitos por Freud, que Jung faz, a época, a teoria psicanalista, principalmente, ao primado da sexualidade como causa da psicodinâmica individual” (Cardoso 2002). Neste momento, que pode ser demarcado quando Jung acaba de escrever “Metamorfoses e Símbolos da Libido”, que segundo Jung “(...) o capitulo ‘O Sacrifício’ me custaria a amizade de Freud. Nele expus minha própria concepção de incesto da metamorfose decisiva do conceito de libido e de outras idéias, que representavam meu afastamento de Freud”.(Jung 2005).
No seu momento inicial foi quando Jung fazia seus estudos psiquiátricos, no entanto, podemos dizer que mesmo neste momento Jung não foi totalmente absorvido por este modelo de ciência, visto sua ligação com os estudos de hipnotismo de Pierre Janet e seus contatos com Freud, alem dele mesmo citar que na sua época como psiquiatra ele observou, em contraposição à ciência da época que, “Em muitos casos psiquiátricos, o doente tem uma historia que não é contada e que, em geral, ninguém conhece. Para mim, a verdadeira terapia só começa depois de examinada a historia pessoal”.(Jung, 2005). Aqui já podemos observar um rompimento com a lógica generalizante e objetificante do positivismo. Trata-se, sempre, do contato entre seres humanos únicos.

4 - Complexidade

É importante ressaltar que Jung não foi arbitrariamente se distanciar da ciência clássica, por buscar um modelo excêntrico de compreensão, mas, ao contrário, foi levado a buscar um paradigma que fosse honesto com as dificuldades que se interpõe no estudo da psique pela própria psique. No livro “Arquétipos e Inconsciente Coletivo” ele nos explica algumas das dificuldades deste acesso à psique e, logo, ao ato de cognição: “(...) Na psicologia, um dos fenômenos mais importantes é a afirmação e, em particular, sua forma e conteúdo, sendo que o segundo aspecto deve ser o mais significativo, em vista da natureza da psique. A primeira tarefa que se propõe é a descrição e a ordem dos acontecimentos, seguida pelo exame mais acurado das leis de seu comportamento vivo. A questão da substância da coisa observada só é possível na ciência da natureza onde existe um ponto de Arquimedes externo. Para a psique falta um tal ponto de apoio, porque só a psique pode observar a psique. Conseqüentemente, o conhecimento da substância psíquica é impossível, pelo menos segundo os meios de que dispomos atualmente. Isso não exclui de modo algum a possibilidade de a física atômica do futuro poder propiciar-nos ainda o ponto de Arquimedes a que nos referimos. Por enquanto, nossas elucubrações mais sutis não podem estabelecer mais do que é expresso na seguinte sentença: assim se comporta a psique. O pesquisador honesto deixará de lado respeitosamente a questão da substância (...) Por maior que seja o seu significado para a vida individual e coletiva, faltam todos os meios à psicologia para provar a sua validade num sentido científico“. (Jung, 2006: 205).
Já a partir da idéia do inconsciente coletivo temos uma re-ligação com o mundo, uma ligação “ser-cosmos” que havia desaparecido com toda ciência clássica, elementarista, substancialista e causal. Os estudos elementaristas e substancialistas estavam sendo, na época dos estudos de Jung, ora ou outra, atacados pelas novas descobertas da ciência, em especial da física, “A noção de substancia dissolveu-se em probabilidades e ‘tendências para existir’. As conexões não-locais de partículas contradiziam a causalidade mecanicista” (Tarnas, 2005). Esta mudança de paradigma surgida no seio da física quântica abriu novos espaços a novas idéias, onde “A profunda interconexão dos fenômenos estimulava um novo pensamento holístico sobre o mundo, com muitas implicações sociais, morais e religiosas”. (ibid). Sobre o holismo citamos Melo “O termo holismo vem do grego holos: totalidade, refere-se a uma compreensão da realidade em função da totalidade integrada, cujas propriedades não podem ser reduzidas a unidades menores sem consideração desse entrelaçamento de elos que se interpenetram, mesmo que virtuais”.(Melo 2002 1). Jung era versado em todo esse conhecimento e inclusive “melhorou” sua teoria de arquétipos, distanciando-se mais do positivismo, com a ajuda de um grande físico quântico da época, Wolfgang Pauli.
Alguns autores ainda propõem que Jung seria idealista. Nosso estudo, no entanto, nos levou a outra compreensão da epistemologia junguiana, uma compreensão nem idealista, nem objetivista. Fato é que Jung propunha uma validade a alma e uma autonomia relativa a mesma, onde: “A psique cria realidade todos os dias. A única expressão que me ocorre para designar esta atividade é fantasia (...) é a mãe de todas as possibilidades onde o mundo interior e exterior formam uma unidade viva (...)”. (Jung, 1991). Ele diz: “Afinal, o que seria da idéia se a psique humana não lhe concedesse um valor vivo? E o que seria da coisa objetiva se a psique lhe tirasse a força determinante da impressão sensível? O que é a realidade se não for uma realidade em nós, um esse in anima? A realidade viva não é dada exclusivamente pelo produto do comportamento real e objetivo das coisas, nem pela fórmula ideal, mas pela combinação de ambos no processo psicológico vivo, por esse in anima. Somente através da atividade vital e especifica da psique alcança a impressão sensível aquela intensidade, e a idéia, aquela força eficaz que são os dois componente indispensáveis da realidade viva. Esta atividade autônoma da psique, que não pode ser considerada uma reação reflexiva às impressões sensíveis nem um órgão executor das idéias eternas, é, como todo processo vital, um ato de criação contínua.” (ibid: 63). Neste movimento, nos parece mesmo que Jung não seria nem nominalista[2], nem realista[3].Temos aqui, então, um ponto intermediário, ou o “terium”, e não mero idealismo ou materialismo[4]. Ele diz sobre o problema entre nominalismo e realismo: “(...) a divisão não pode ser resolvida discutindo-se os argumentos dos nominalistas e realistas. Para a solução, é preciso um terceiro ponto de vista, intermediário. Ao esse in intellectu falta a realidade tangível, e ao esse in re falta espírito” (ibid: 63).
Este é um dos pontos nevrálgicos da psicologia analítica: o falar da realidade da alma, desta como relativamente autônoma, assim como da validade das idéias, por exemplo, quando ele diz sobre as questões da fé: "No que se segue trataremos de veneráveis objetos da fé religiosa, e todos aqueles que se ocupam com isso correm o risco de ser reduzidos a pedaços pelo entrechoque das duas partes que discutem acerca desses objetos. Tal discussão parte do estranho pressuposto de que só é "verdadeiro" aquilo que se comprovou ou se comprova como sendo uma realidade física. Assim, p. ex., acreditam que o nascimento original de Cristo foi um acontecimento físico, ao passo que outros o negam, esta divergência de posições é logicamente insolúvel, e por isso seria melhor que os contendores deixassem de lado essas discussões estéreis que não levam a nada. Ambas as partes têm e não têm razão, e chegariam mais facilmente a um acordo se renunciassem à palavrinha "físico". O conceito de "físico" não constitui o único critério de uma verdade, pois há também verdades psíquicas que não se podem explicar, demonstrar ou negar sob o ponto de vista físico. Se houvesse, p. ex., uma crença geral de que em certo período da história o Reno tivesse corrido da foz para a nascente, tratar-se-ia de uma crença que é um fato em si, embora a sua formulação no sentido físico deva ser considerada como simplesmente inadmissível. Uma crença como esta constitui uma realidade psíquica, de que não se pode duvidar e que também não precisa ser demonstrada.
Os enunciados religiosos são desta categoria. Todos eles se referem a objetos que é impossível constatar sob o ponto de vista físico. (...)” (Jung, 2001: 1-2). Melo ainda enfatiza: “Jung deixa, em seu arcabouço teórico, implícita a idéia de movimento e de intencionalidade do próprio sistema, como algo vivo e que é a um só tempo em parte fechado, mas que inclui uma abertura. Reajustes permanentes são características de sistemas vivos; abertos e interconectados com o mundo, consigo próprio (perspectiva holística de Jung)” (Melo, 2002 B: 111).
Temos na psicologia junguiana uma valorização das contradições, fantasias, etc., e nesse momento que tentamos chegar o mais próximo possível do “todo”, não supervalorizando, inclusive, nenhum aspecto heurístico particular, mas todos que possam nos favorecer na pesquisa do humano em sua totalidade. Jung diz ainda em suas formulações iniciais, em 1910: “Contentei-me em conservar uma posição intermediária, que mantivesse a linha de simples consideração psicológica das coisas, sem tentar acomodar o material a este ou àquele princípio fundamental, hipotético apenas (...) apenas um especialista parcial poderia declarar como universalmente válido algum princípio heurístico, que fosse de valor especial para sua disciplina ou para seu modo pessoal de considerar as coisas” (Jung, 2002: 5-6).
Outros dois aspectos interessantes de serem observados para o desenvolvimento da complexidade, contradição e relatividade na epistemologia junguiana são a linguagem e o modo de apreensão singular diante do mundo. Para Jung a linguagem deveria poder ser “não-métrica, não-linear e não-espacial dependendo da realidade a que venha a se reportar, incluindo sempre as circunstancias do sujeito que observa e do seu objeto de estudo. Resgatam-se assim, as varias faces dos fenômenos que ficavam a margem da totalidade no racionalismo cartesiano”. (Melo, 2002 A) Jung fala em sua autobiografia que a linguagem “precisa ser ambígua, isto é, ter sentido duplo, se quiser levar em conta a natureza da psique e seu duplo aspecto. É conscientemente e com deliberação que procuro a expressão de duplo sentido para corresponder a natureza do ser, ela é preferível a expressão unívoca. (...) A expressão unívoca só tem sentido quando se trata de constatar fatos e não quando se trata de interpretação, pois, o sentido não é uma tautologia, mas inclui em si sempre mais do que o objeto concreto do enunciado”. (Jung, 2005).
Já o problema dos “tipos psicológicos” foi em grande parte epistemológico e surgiu através de uma observação fenomenológica da alma. Nenhum dos tipos, na verdade, pode reivindicar para si todo critério de verdade, pois incorreria, desta forma, a uma interpretação unilateral dos fenômenos, rechaçando apenas uma das possibilidades de se relacionar com o mundo, ou com a alma. Jung diz que “A idéia da uniformidade das psiques conscientes é uma quimera acadêmica que facilita a tarefa do professor diante de seus alunos, mas que desmoronou diante da realidade” (Jung, 1991). Poderíamos prosseguir com essa idéia até pontos mais altos, como as questões do estudo da ciência, pois fica evidente a inexistência de uma objetividade independente do sujeito, ao menos, enquanto este está preso a seu tipo unilateral. Segundo Jung, existe uma compensação entre inconsciente e consciência, i.é, uma compensação pela unilateralidade da atitude consciente. No inconsciente ficam as outras atitudes psicológicas “não valorizadas” e é bem provável que o inconsciente, ao emergir, seja parcial, ou seja, não se mostre de maneira objetiva, mas também tendenciosa. Ele poderia, por exemplo, aparecer num sonho através da função intuitiva, numa atitude introvertida, quando o sujeito é excessivamente extrovertido e sensual (no sentido da função sensação) em suas relações conscientes. Isso demonstra de que modo há também, no inconsciente, uma relatividade e uma complementação da consciência.

5 – Resultados

Observamos que existe uma saída de Jung do modelo positivista, no entanto, em sua obra fica claro que não se trata de uma ruptura absoluta, pois o Jung, ao que parece, preferia o caminho do meio, melhor dizendo, o caminho da síntese. Certamente Jung permaneceu com influências empiristas, como quando afirma sobre o inconsciente coletivo: “Apesar de me terem acusado freqüentemente de misticismo, devo insistir mais uma vez em que o inconsciente coletivo não é uma questão especulativa nem filosófica, mas sim empírica” (Jung, 2006: 55) assim como uma pretensão de pensar uma nova ciência em psicologia (não uma nova escola). Isso se torna evidente pelo próprio rigor que ele teve pelo conhecimento e, mesmo quando faz analogias históricas comparativas, explicita bem suas diferenças contextualizadas com o saber que propõe.
A epistemologia junguiana nos parece ser uma das grandes pioneiras de uma epistemologia complexa, além de uma “epistemologia da congruência”. Podemos ver dentro da obra de Jung uma série de modelos científicos e filosóficos que foram utilizados com rigor e sabedoria, mesmo que vários deles tenham sido depois abandonados. Já mais perto do final de sua obra Jung pareceu caminhar bem mais em contramão ao positivismo do que ele caminhou antes. Uma das contribuições mais fundamentais da epistemologia junguiana para uma epistemologia contemporânea e complexa parece ser a própria validade da alma e de seus conteúdos, mesmo quando irracionais, fantásticos ou supostamente fantasiosos. Essa noção já nos lembra a nova compreensão da subjetividade por alguns ramos da ciência cognitiva que não diz mais que: “o ser humano é uma tabula rasa” que introverte os “dados” (entendido num sentido objetivista e positivista), mas sim que subjetiva o “real”, i.e, toda apreensão é condicionada pela singularidade do sujeito e por uma subjetividade coletiva, seja por uma questão perceptiva, seja por uma questão emocional; então Rey nos diz: “Na nossa opinião, a subjetividade é um sistema complexo de significação e sentidos subjetivos produzidos na vida cultural humana, e ela se defini ontologicamente como diferente dos elementos sociais, biológicos, ecológicos e de qualquer outro tipo, relacionados entre si no complexo processo de seu desenvolvimento. (...) A subjetividade individual é determinada socialmente, mas não por um determinismo linear externo, do social ao subjetivo, e sim em um processo de constituição que integra de forma simultânea as subjetividades social e individual. O indivíduo é um elemento constituinte da subjetividade social e, simultaneamente, se constitui nela” (Rey, 2002: 36-37). Sobre isso, lembremos Von Franz, quando perguntada: “Com relação às discordâncias dos intelectuais que dizem que a psicologia junguiana não é ‘científica’, a idéia prevalecente é que a ciência precisa ser universal e, enquanto se considera o tom emocional e pessoal do indivíduo, o que se faz não é ciência, mas arte; desta forma, parece-me que a psicologia junguiana é uma ciência e uma arte”. Ao que ela diz: “Sim, você tem razão. O que se tem a acrescentar a isso é que uma emoção não é necessariamente não universal, se considerarmos a hipótese do arquétipo. Se eu tenho uma emoção pessoal que surgiu através de uma constelação arquetípica, então ela é, também, uma emoção universal. Dessa forma, os cientistas erram quando identificam sentimento e emoção como puramente subjetivos. Eu mesma posso ter uma forte emoção pessoal que é uma emoção arquetípica. Muitas pessoas podem ter essa emoção e, nesse sentido, ela é universal” (Franz, 2005: 237).

“Quod natura reliquit imperfectum, ars percifit”
O que a natureza deixa imperfeito, a arte aperfeiçoa.

6 – Bibliografia

Cardoso, H. O que você deve saber para entender Jung – 1. Fundamentos do pensamento junguiano. 2002
FRANZ, M. L, A Interpretação dos Contos de Fada, 3ª parte: “Perguntas e Respostas”, São Paulo: Paulus, 1990. 5ª edição, 2005.
JUNG, C. G., Memórias, Sonhos e reflexões. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 2005. (1957-1960)
JUNG, C. G., O Desenvolvimento da Personalidade. Petrópolis: Vozes. 8ª edição: 2002.
JUNG, C. G., Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes. 2006
JUNG, C. G., Resposta a Jô. Petrópolis: Vozes. 2001. (1952).
JUNG, C. G., Tipos Psicológicos. Petrópolis: Vozes. 1991 (1920-1)
MELLO, E. Mergulhando no mar sem fundo. 2002, A
MELLO, E. Origem e Totalidade: Contribuições Epistemológicas Interdisciplinares para a Comunicação entre as Áreas do Saber: Psicologia, Física e Mitologia. 2002, B
REY, F. Pesquisa Qualitativa em Psicologia – caminhos e desafios. São Paulo: Pioneira Thomson Learning. 2005. (reimpr. Da 1. ed. De 2002).
TARNAS, R. A Epopéia do Pensamento Ocidental: Para Compreender as Idéias que Moldaram Nossa Visão de Mundo. 7ª edição. Bertrand Brasil: 2005.


[1] - “Paradigma vem do grego e quer dizer: para = alem de; deigma = manifestação. O que esta para alem da manifestação e, portanto, indica a direção que vira. Esta nos parece uma melhor acepção do que as traduções costumeiras como modelo ou arquétipo”. (Cardoso, 2002).
[2] - “Por nomialismo entendemos aquela escola que afirmava serem os assim chamados universais, ou seja, os conceitos genéricos e universais como a beleza, o bem, o animal, o homem etc., nada mais do que nomes (nomina), ou palavras ironicamente chamadas sopros de voz (flatus vocis)” (Jung, 1991: 40).
[3] - O realismo, contudo, afirma a existência dos universais antes da coisa (ante rem) e que os conceitos gerais existem em si mesmos, a modo das idéias de Platão”. (ibid, 40).
[4] - Materialismo não deve ser confundido com o materialismo histórico-dialético.

terça-feira, outubro 31, 2006

Manifestação em solidariedade aos povos de Oaxaca

Manifestação em solidariedade aos povos de Oaxaca - Rio de Janeiro

Por Ação Global dos Povos

Convocamos a tod@s para a Manifestação em Solidariedade aos Povos de Oaxaca - 01/11, quarta-feira às 11h no Consulado Geral do México do Rio de Janeiro, Praia de Botafogo, 242 Convocamos a tod@s a se manifestarem exigindo o fim imediato da repressão a APPO (Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca) e a população de Oaxaca. O chamado é urgente devido a extrema violência seguida de assassinatos(um voluntário do Indymedia morreu assassinado por tropas paramilitares) promovidos pelas instituições federais mexicanas desde o último final de semana contra a insurreição popular, a qual exige a renúncia do governador Ulisses Ruiz. Em seu governo, Ruiz é acusado de alta corrupção e tem promovido perseguições aos movimentos sociais. Tragam suas panelas, apitos, badulaques, indignação, sombreiros, tequila e solidariedade! Em solidariedade aos Povos de Oaxaca, Ação Global dos Povos - Rio

Para maiores informações: www.midiaindependente.org

Nova-mente em dia-gnóstico,


O caminho de fora se torna menor do que o de dentro,
Você não sabe como pode escapar,
Desde quando é assim?
Desde quando você é prisioneiro em sua casa?

Uma multidão te cerca e exige resoluções
Mas em desespero,
Você não pode deixar a guerra acabar

Não há caminho no qual se salvar,
Não existem estradas as quais trilhar
A não ser ir para fora e também lutar,
Mas quando você percebe que só há espelhos,
Como você poderia se auto-sabotar?

Desde quando é assim?
Desde quando você é prisioneiro em sua casa?
Desde quando você se vê nesta tormenta?
Desde quando você anda sem olhar para onde?

De um lado um ateu braveja um postulado
Contrariando a fé do atormentado,
Em um canto um velho senhor lê antigos tomos,
Enquanto atiradores preparam para matar um santo
Quando você reza, o que você sente?
Quando você se pega em tom clemente

Será que você não escuta, um tom apocalíptico,
O fim do mundo?
Ou um novo renascer?
É algo que está por vir,
Ou algo que esta por ser?

Um suspiro, um tanto heurístico,
Expressa seus desejos,
Um dia talvez eles se mostrem
Em carruagem celestial
E aquela Paz, que destrona infernos
Apareça num momento primordial.

Já existiu, momento ao qual...
Você me disse:
“Que maravilha!”
Não desista, nem em hipocondria,
De viver cada vez,
Um novo dia.

quinta-feira, outubro 26, 2006

Identidade, Singularidade ou Si-Mesmo?

"Sou eu próprio uma questão colocada ao mundo e devo fornecer minha resposta; caso contrário, estarei reduzido à resposta que o mundo me der". Carl Gustav Jung

segunda-feira, outubro 23, 2006

O ter e o ataque!

O bonita, dotada de muita moça, gostava de andar por essas épocas, em longas muitos avenidosas. O prazer, que era seu amigo, acompanhava-lhe enquanto ela, dotada de muita moça, olhava as vitrines.
- Bonita, por que você não compra mais roupas?
- Ora, prazer, bem lhe entendo. Acho que comprarei.
Então, com segurança, seguiu ela pelas avenidas longas e, de sobre-salto, viu um belíssimo que usava um chapeloso maravilha –e também usava um homissimo belo -.
- Quanta audácia, creio eu, este belíssimo estar com esse maravilhoso que, digo e repito, é chapelissimo! - dizia bonita.
- Ora – concordou prazer – eu acho que belíssimo deveria se vestir com homens melhores.
- Concordadissimo! – disse bonita, meio que não entendendo nada.
Então todos eles, bonita, prazer, maravilha e belo, resolveram ir para a ilha de caretas. Onde, em seus iates, poderiam des frutar maravilhas modernas. Pois, como se sabe, hoje em dia quem tem poder é quem tem adjetivos!

segunda-feira, outubro 16, 2006

Compreensões acerca da psicopatologia contemporânea


A psicopatologia de base positivista, isto é, a psicopatologia dos manuais do DSM IV e SID, além do Compendio de Psiquiatria, apresentam alguns problemas sérios e que deveriam ser observados. A começar por sua ingenuidade científica, estes manuais não contém rigorosidade, pois, ao se considerarem científicos, não se dão ao trabalho de questionamento filosófico de suas bases, tal como, de suas próprias metodologias naturalizadas. É neste próprio movimento de ingenuidade, naturalização e busca de neutralidade que a psicopatologia perde, em nossa visão, toda sua base científica para entrar no campo do massacre social.

Ao não fazer esta analise ideológica-intencional de seu saber, mantém-se como instrumento de manutenção de uma ordem dominante, isto é, promove deliberadamente a tentativa de adaptação dos ditos loucos a sociedade, digamos em outras palavras: busca promover a re-adaptação do louco a média, ao instituído, ao trabalho alienado e a normalização estatística e inumana. O louco é alienado de toda causa-ação social, histórica, de todo movimento de sentido e relegado ao pano de marginal. É relegado ao plano de coisa, objeto, que desconhece qualquer vontade, desejo; o louco é aquele ser ontificado, onde toda sua criatividade é dita, como nos testes de Rorschach: “uma percepção mal vista”. Mal vista perante a média inundada de não vida e manipulada até os ossos, perguntar-se-á.

São incompreensíveis algumas das explicações “factuais” da nossa dita ciência psicopatológica. Sobram perguntas, e faltam respostas. Por exemplo, temos o caso dos assim chamados: “Sintomas prodrômicos” que seriam sintomas que apareceriam antes de em alguns casos de esquizofrenia (a esquizofrenia começando de forma linear, até seu desencadeamento), a outra possibilidade seria a esquizofrenia desencadeada de maneira não linear, abrupta. Estes sintomas poderiam durar até 1 ano antes do desencadeamento da esquizofrenia e seriam caracterizados pelos seguintes comportamentos bizarros (a palavra bizarro aqui já deve ser observada): retraimento social, as vezes o indivíduo se torna obediente, fantasioso, quieto, com poucos amigos, desenvolvendo interesse por idéias abstratas, pela filosofia, idéias místicas, interesse por questões religiosas, surgimento de idéias bizarras, queixas somáticas de dores, experiências perceptivas estranhas, descuido da higiene pessoal, comportamento incomum, ataque de raiva. Dificilmente todos os sintomas seriam encontrados, mas, comumente apenas alguns.

A possibilidade de definição de uma psicopatologia a partir das referencias dadas nos parece um pouco cômica e pode se tornar destrutiva na vida de um jovem, por exemplo, que por esse tipo de preconceito “científico” leva seu filho em fases de adolescência e conhecimento do mundo para um psiquiatra que, não salvo casos extraterrenos, lhe recomendará remédios. O estigma que marca um jovem levado a um psiquiatra pode ser grande, podendo vir a resultar numa série de comportamentos, claro que isso é uma especulação e que se levarmos em conta as subjetividades não poderemos chegar aqui a uma conclusão generalizante, especialmente por falta de estudo sobre o tema. Mas é interessante observar a violência e busca de adaptação obsessiva que se institui desnecessariamente.

Se tivermos a consciência de que diferentes pessoas se relacionam de diferentes formas com a realidade interna e externa, poderemos ter a compreensão de que existem pessoas introvertidas e outras extrovertidas, e é um tanto estranho uma classificação que privilegie um dos tipos psicológicos. Essa hierarquização de tipos nos parece filha da nossa sociedade, a qual procura, de maneira explicita, pessoas aptas ao trabalho, a produção e a criação de “coisas” que mantenham o sistema capitalista e “neo-liberal”. Para esse tipo de sociedade não é, supostamente, de boa valia pessoas introvertidas, que tenham interesses interiores, até porque esse tipo de interesse está intimamente ligado à criatividade e, paradoxalmente, a tradição. Sendo que toda originalidade é, em essência, subversiva. O novo é temido por qualquer movimento que procure a manutenção do atual. Está na hora da psicopatologia sair de sua explicação adaptativa e tirana, seja em sua defesa exagerada da máfia dos remédios (claro que aqui também não podemos cair no ponto opostos), seja em suas postulações rígidas e estratificantes, como também é o caso, diga-se de passagem, da estrutura na psicanálise.

quinta-feira, outubro 12, 2006

Tempo

MortosVivosTownieCity

O que somos nós que nos dizemos livres?
Uma caricatura induzida de liberdade,
Uma alucinação coletiva de um modo de "ser-no-mundo"?
Uma marionete livre dentro do espetáculo?
Sobreviva até a velhice,
Humanisticamente inumano
Solte um grito de catarse possuído
Só mais uma parte do espetáculo definido
Nada parece se encaixar na era da modernidade
Tudo é tão fluxamente estático
Que chegamos realmente a achar que a roda gigante gira,
Que o rio flui e o que o novo presidente vai mudar as coisas,
Enfim, achamos até que somos livres,
Afinal, "livres", até achamos que somos!!
Achamos que sobreviver é viver
Sobreviver, é perder a chance de viver
E viver, é perder o direito de sobreviver,
Pelo menos aqui, em MortosVivosTownieCity

quarta-feira, outubro 04, 2006

Sabedoria Chinesa.


É incrivel como as mensagens que vem dentro dos biscoitos chineses SEMPRE tem razão na minha vida. Não é só incrivel, é de me deixar totalmente fora do lugar. E nessas situações da vida que exigem uma mudança de atitude, de compreensão, os biscoitos chineses fazem ainda mais sentido para mim. E como isso tudo já não bastasse eles VEM em DOIS. Pra mim isso parece mais uma grande piada cósmica e cheia de significação. As mensagens sabias dessa vez foram:

"A preocupação nunca venceu o destino".

e

"Você tem um coração amável e é bastante admirado".

sexta-feira, setembro 29, 2006

Sentido


As vezes é necessário abrir mão da autonomia,
E aceitar a desgraça e a beleza
Que a vida nos trás.

As vezes é necessária a resignação
Com a amargura e a tristeza
Sem olhar pra trás.

As vezes é necessário aceitar de braços abertos,
Ter a paciência de um pescador
E compreender que o melhor dos peixes,
Não vem porque nossa vontade mandou.

Não se trata de conformismo,
Mesmo que também o seja.
Não se trata de imobilismo,
Mesmo que também o seja.

Quando pularmos na água,
Iremos nos molhar
Cada gota guarda um segredo,
Um demônio, um amor, um ímpeto,
Que não podemos controlar

E quando sairemos do lugar?
Viver é, ter a malandragem de contemplar.
Sofrer, calar, dizer, amar.
Quantos segundos ainda iremos esperar,
Ou agir, mesmo estando no mesmo lugar.

E sobre as rodas das Moiras
Viveremos o dia em que a luz emergirá
Levando-nos a aquele,
A aquele não lugar.

quarta-feira, agosto 30, 2006

A viajem do trem à nova flor.


Quando o vento passa e soa com sua leve brisa,
Ameniza, o incontido desmembrar do trem
Mas não há vagão que não destrilhe,
Com o estilhaçar do armazém

E sobre os vinhos derrubados com vagar
Estão as flores, do inverno à primavera
Em todo sonho a gente sempre espera
Que o além vai nos ajudar,
Mesmo que também tenha o diabo,
Pronto para nos matar.

Em dias em que fulge o sol
Sempre há um excesso de chuva para compensar
O trem sempre vai, sempre vai passar

Mesmo quando a esperança afoga,
A gente reza, a gente roga
A gente faz, a gente preza
Por uma proeza que mais que depressa
Vá mostrar-se por trás da mascara
E rapidamente rejuntar

Os pedaços descarrilhados do trem embrigado
E dar nó, onde este, desfez-se em pó
Que vai mostrar a cor,
Para o que estava incolor
Ou fez-se daltônico por um momento,
E com ardor
Vai lutar por um cimento (mesmo que seja constrangedor)

E, assim, em linhas tortas
Em nós tão novos
Nasce aquela flor, alimentada com calor
Neste novo resplendor
Gerado pelo sangue quente, de um novo amor
Que esta por vir.

segunda-feira, agosto 28, 2006

Do 3 e 4 à Revolução


Gostaria apenas de começar um texto sobre a questão quadratura do circulo, ou, em outros termos, do 0 e do 4, para ampliar a discussão à questão do 3 e do 4, ou 3:4. A vontade de fazer essa exposição veio de um trecho de um texto dos situacionistas colocado no blog “Um grito de recusa e desejo”, de meu amigo A.Guerra (http://www.anarchia.blogspot.com/) onde eles citam a questão da quadratura do circulo.

Certamente o texto situacionista, ao fazer uma analogia à quadratura do circulo, se refere ao absurdo, mas, ao pensarmos em termos de tradições místicas, religiosas, a quadratura do círculo se torna algo bem diferente. Provavelmente os situs fizeram essa analogia pelo fato de ser uma tentativa de conscientização (quadrado) dentro de uma ordem pré-estabelecida (circulo). Mas, tentemos desvelar algo sobre essas representações geométricas ou numéricas, independente desse texto.

O circulo, segundo a tradição cabalística, sem o ponto no meio, se refere ao número 0, à origem de tudo, é o Ain Sof (Nada criador). Significa a inconsciência primeira, a potencialidade de tudo tornar-se. O circulo ainda nos leva à mandala, palavra derivada do sânscrito que significa, justamente, círculo. Esse termo tem derivação indiana e é relacionado a termos rituais. Do circulo inicial, o 0, começamos a entrar na criação, até chegarmos à dualidade, falemos, por exemplo, sobre a tradição judaica-cristã, no Gênesis (parte do Sefer Torá ou antigo testamento):

“(0a) – Jeová estava com as trevas iniciais. No Gênesis, as trevas (ou ‘escuridão’) estavam sob as águas, e era o deus do principio e da Terra sem forma e vazia. Essa etapa é ‘la terra était deser et vide: les tenebres (s´etendainent) sur l´Abisme et le souffle d´Elohim planait sur les eaux’: água da profundeza.

(0b) – A terra estava deserta e vazia: as trevas se estendiam sobre o abismo. Surge o sopro de Deus. (...) Elohim da instabilidade ao caos e produz, ou permite como nas cosmogonias em geral, a criação”. (Melo, 2002: 262-263).”

A partir desse caos inicial representado pela circularidade vazia, passamos a ter a representação geométrica do circulo com o ponto no meio (o 1) propiciando uma base, um ponto que, a partir daí, pode gerar a dualidade da vida, e sua materialidade, caracterizados pelo número 2[1]. No Gênesis ainda lemos: “No principio criou Deus os céus e a terra. E a terra era vã e vazia, e (havia) escuridão sobre a face do abismo, e o espírito de Deus se movia sobre a face das águas. E disse Deus: ‘Seja luz!’ E foi luz. E viu Deus a luz que (era) boa; e separou Deus entre a luz e a escuridão. E chamou Deus à luz, dia, e à escuridão, chamou noite: e foi tarde, e foi manhã, dia um”.

“E disse Deus: ‘Haja expansão no meio das águas e que separe entre águas e águas!’ E fez Deus a expansão; separou entre as águas debaixo da expansão e entre as águas de cima da expansão: E foi assim (...)”.

Bem, podemos observar, não só nessa descrição inicial do Gênesis, como em várias outras tradições, o inicio indiferenciado do cosmos que foi modelado pela força criadora, assim como na tradição científica essa criação se refere também a uma força, o colapso do espaço e tempo. A criação da dualidade vem logo a seguir, como observamos, como condição da consciência diferenciada, aqui já numa interpretação psicológica, pois, se temos em mente que as cosmogonias são projeções da alma e modelos arquetípicos, isso só demonstra que a vida humana passa pelas mesmas fases que a criação do universo. O bebe inicialmente é o inconsciente puro, o indiferenciado[2], vindo a tornar-se gradualmente sujeito dividido, entre consciente e inconsciente, ou entre extroversão e introversão. Da mesma forma que Deus separa as águas, a luz da escuridão, nos criamos uma consciência diferenciada para lidar com os aspectos sociais da vida, da cultura, e para tal diferenciamos um “mal” de um “bem”, um “em cima” de um “de baixo”, mesmo que as coisas não sejam de fato assim. É dessa forma que criamos uma moral social, condição necessária para, na psicanálise, estabelecermos uma estrutura neurótica ao invés de psicótica (aqui não entremos na terceira estrutura clinica, a saber: a perversão).

Bem, voltemos à questão do circulo, e durante o texto podemos continuar abordando aspectos psicológicos. Voltemos em especial aos aspectos referentes aos números 3 (pirâmide) e o 4 (quadrado). O número 3 se refere aos aspectos masculinos, e teve uma grande importância no mundo ocidental, referente ao cristianismo e seu dogma ternário (pai, filho e espírito santo), estes 3 aspectos, contudo, acabam por ignorar a condição terrena da vida, como observaram os alquimistas ocidentais ao falarem sobre o Axioma de Maria, onde Maria seria o quatro elemento do quaternário. Outro sistema de crenças que possui bases “masculinas”[3] é o Judaísmo, onde o próprio nome de D´us em hebraico é הוהי (iod, hê, vav, hê – IHVH). Este é o famoso tetragrama que, na verdade, só possui três letras, pois o hê se repete. Apartir daí voltamos ao número 3.

O ternário, contudo, na vida ocidental não se refere somente ao cristianismo. Na filosofia Hegel propôs seu sistema dialético que, como sabemos, já provinha de épocas mais arcaicas, como a Grécia antiga (e certamente, se formos fazer um estudo minucioso, poderemos perceber o pensamento dialética em sociedades mais antigas).

A questão do 3 e do 4 é uma questão discutida por muitas tradições como o “I Ching” na China, Pitágoras na Grécia e os alquimistas. A relação entre 3 e 4 é como uma relação “do ser incompleto com o completo correspondente portanto a uma portio sesquitertia, isto é, 3:4. Essa relação é conhecida na tradição alquímica ocidental como Axioma de Maria. No simbolismo onírico também desempenha papel considerável (Jung, 2006: 355-356).

O três, logo, significa a incompletude e a dicotomia, pois, sempre onde existe um triangulo inferior existe um superior[4], como atesta a alquimia. É a divisão do “ser” ou do “objeto” entre uma metade negativa e uma positiva, negando uma dessas metades ao obscuro, ao recalcado ou ao projetado. Na nossa história ocidental a parte negada foi, durante a maior parte de nossa história, a metade feminina, a parte material, a parte mundana, maternal, apesar de existir também a possibilidade, como nos atesta a história, da negação do principio masculino[5]. Essa negação do feminino pode ter tido várias influencias determinantes dentro da história, da economia, da sociologia, da psicologia e da antropologia (quanta separação) sendo projetada, pelo cristianismo dominante, de modo nefasto em diversas tradições, culturas, modos de vida que reverenciavam um outro modelo de vivencia, de organização, como o paganismo, o hermetismo, o gnosticismo, etc.

Em seu modelo patriarcal o cristianismo não pode aceitar a diferença e conviver com ela, queria a pura hegemonia e castrava as individualidades que poderiam surgir. Cabia perguntar a cristianismo onde estava o feminino, o número 4, assim como Sócrates pergunta a Timeu: “Um, dois, três –mas querido Timeu, onde fica o quatro?” (ibid: 231).

Já confeccionamos alguma coisa da questão do três e do quatro e ainda para validar historicamente a repetição desse tema poder-se-ia explorar uma infinidade de símbolos em torno desses números, assim como, por exemplo, os “quatro filhos de Hórus ou pelo quatro serafins de Ezequiel, ou ainda pelo nascimento dos quatro eons a Metra (uterus) fecundada pelo pneuma na gnose-Barbelo, ou então pela cruz formada pelo raio (= serpente) em Bohme[6], até a tetrameria da opus alchymicum em seus componentes (elementos, qualidades, graus, etc[7]). A quaternidade sempre constitui uma unidade” (ibid: 314). Ainda podemos acrescer a própria divisão da psique em 4 funções (sensação, intuição, pensamento e sentimento). Longe de nós fazer uma enciclopédia de símbolos. Temos que pensar no que pode resultar esse conhecimento em aspectos práticos, psíquica e materialmente.

Trata-se de uma conjunção dos opostos, o grande Opus. Assim como nossa psique ruma para o Si-mesmo, i.e, ruma para a conjunção da consciência com o inconsciente, para a nossa totalidade, nossa sociedade também ruma para um estado sem classes, sem a dualidade atual, onde um se sobrepõe ao outro. Não se trata entretanto de ignorar as diferenças, ao contrário, trata-se de aumentá-las. Aumentar as diferenças, a pluralidade, o respeito mutuo, o acolhimento (feminino-materno) é um dos passos de uma sociedade integrada, mas essa integração e diferenciação não é a diferenciação narcísica[8] da sociedade “pós-moderna” que mantém a diferença enquanto modo de alienação de uma mudança estrutural, a sedução do consumo e da diversidade como modos de propaganda de um modelo liberal e cool que seria o oposto de todo autoritarismo. Não. O aumento das diferenças deve vir a todo momento em conjunto com uma ligação com o social, com o Ethos do qual falava Heráclito; deve vir de um modelo comum propiciando um equilíbrio entre diferença e igualdade.

Jung nos diz sobre a questão da integração psíquica: “O modo pelo qual se obtém a harmonização de dados conscientes e inconscientes não pode ser indicado sob a forma de uma receita. Trata-se de um processo de vida irracional, que se expressa em determinados símbolos (...). Da união emergem novas situações ou estados de consciência. Designei por isso a união de opostos pelo termo ‘função transcendente’. A meta de uma psicoterapia que não se contenta apenas com a cura dos sintomas é a de conduzir a personalidade em direção à totalidade” (ibid, 282). Podemos a partir daí problematizar se as questões sociais não passam por um mesmo aspecto, por um aspecto dinâmico, vivo, onde revoluções, rupturas se dão a partir de momentos raízes e irracionais. Uma outra possibilidade estaria em pensarmos as rupturas como processos organizativos e racionais criados a partir da volição de uma determinada população que procura interesses específicos.

Para essa analise temos que considerar primeiramente que existem momentos que parecem ser grandemente influenciados por processos reprimidos no todo social, por exemplo, quando a classe operaria foi reprimida, massacrada, marginalizada, ela permaneceu ativa e ganhando força, foi um recalque falho do sistema social capitalista, ele não foi capaz de eliminar aquela parcela da população que, na verdade, foi o motor do próprio capitalismo no século XIX, XX. Essa população só era subliminarmente percebida, como algo que permanece no fundo da figura (classe burguesa) e assim pode ir ganhando território para reivindicar o seu espaço ou sua revolução. O mesmo acontece na psique onde“A autonomia do inconsciente começa onde se originam as emoções. Estas reações instintivas, involuntárias que perturbam a ordem racional da consciência com suas irrupções elementares. Os afetos não são ‘feitos’ através da vontade, mas acontecem” (ibid, 272).

Essa questão organizativa e de influencia foi abordada nesse blog no texto “Sociedade, Grupos e Movimentos Sociais” apesar de ser uma analise muito limitada. Acredito que não podemos olhar essa questão por apenas um foco pelo perigo de perdermos de vista a totalidade. É evidente, e isso historicamente, que existem revoltas, insurreições, revoluções que tiveram uma influencia consideravelmente maior do aspecto conjuntural do que organizativo, mas contudo, não podemos ignorar a importância fundamental da organização em quase todas revoluções, um exemplo seria a própria revolução espanhola de 1936. Sem a organização de nada adianta um momento histórico e psicológico propicio. A partir daí só podemos pensar que mesmo se acreditarmos que para vivermos em uma sociedade sem classes, sem propriedade, precisamos de um tipo de pessoa especifica (uma pessoa individuada) e de um tipo de conjuntura específico (gerado pelos problemas e antagonismos gerados pela organização e economia capitalista) só poderemos chegar a esse lugar com a organização voluntária, participativa da própria população, senão sempre incorreríamos na limitação das revoltas (por mais que elas possam causar uma mudança nas pessoas durante sua permanência).

Para terminar citemos uma passagem escrita por Jung sobre um estudo de mandalas sobre um caso de individuação que fala por si só: “A ‘quadrata figura’ que aparece como símbolo da lapis[9] no centro da mandala alquímica, cujo ponto central é Mercúrio recebe o nome de ‘mediador’, o que promove a paz entre os inimigos”.

[1] Os números pares são caracterizações do feminino e da matéria, representam a dualidade talvez pelo fato da vida surgir da mulher, o que pode ter sido, segundo Joseph Campbell, um dos motivos da satanização da mulher por tradições as quais buscavam um distanciamento da vida e do sofrimento, fatos intrínsecos à vida, como nos aponta o budismo. Antes do nascimento ou da queda do paraíso (momento primordial) tem-se a crença de que a existência era perfeita.

[2] - Segundo a tradição psicanalista o bebe começa sua vida em simbiose com a “Mãe” (função materna), sendo aos poucos separado dessa Mãe que representa, para ele, o Outro (termo lacaniano). O momento máximo dessa separação se da no complexo edipano, com a castração e a inserção do que os lacanianos chamam de “Nome-do-Pai” ou, em outros termos, a internalização da lei. Outras tradições da psicanálise consideram de maneira diferenciada esse momento, como os reichianos que, apesar de creditarem importância ao complexo edipano, crêem que existe uma necessidade de sublimação do amor edipano em uma criança de idade aproximada e não concordam, portanto, com a necessidade essencial do freudismo para a evitar a psicose, que é o recalque desse desejo, a separação do Id e a criação da lei social e do modelo ideal, o Super Eu.

[3] - Evidentemente aqui, como em todo o texto, não me refiro a um masculino biológico, mas sim a um fato psicológico; um conjunto de características que ahistoricamente determinam um modelo que se modifica historicamente. Longe de mim, portanto, propor características masculinas a homens e femininas a mulheres. Pelo contrário, creio que ambos possuem ambas as características, assim como colocam Jung e James Hillman.

[4] - Aqui podemos procurar a simbologia do número 6, que, como nos diz a tradição cabalista é caracterizado geometricamente por dois triângulos, um superior e outro inferior, representando o lado sagrado e profano do ser humano, a potencialidade de ser o sumo bem e o sumo mal.

[5] - Esse princípio masculino é chamado na psicologia junguiana de animus. O animus, ao que me parece, também foi “renegado” durante algumas fases da história, como no período matriarcal anterior. Dificilmente podemos, no entanto, observar sociedades que ignoram completamente características de um desses modelos (masculino e feminino, animus e anima), o que aconteceu e acontece freqüentemente é termos uma ênfase mais ou menos acentuada de um desses modelos.

[6] - No budismo os ‘grandes reis’, os locapala (os guardiões do mundo) constituem a quaternidade. V. Samyutta-Nikaya, I, p. 367.

[7] - “... mystica quasi distillatione, Deus aquam hanc primordialem in quatour partes ac regiones separavit et distinxit” (Como numa destilação, Deus separou e dividiu essa água primordial em quatro parte e domínios) (Sendivogius, Epístola XIII in: Bibli. Chem, curiosa II, p.496). Em Christianos (Berthelot, Alch. Grecs, VI, IX, 1, p. 393, e X, 1, p.394) o ‘ovo’, bem como a própria matéria, é constituído por quatro componentes. (O mesmo como citação de Xenócrates, op. cit., VI, XV, 8, p. 414.)

[8] - Para mais informações ler nesse blog o texto: “Seine majestat das Ich” (Sua majestade, o Eu).

[9] - Lapis nessa frase se refere a pedra, mais especificamente, à pedra filosofal. (nota minha).

Livros usados:

Jung, Os arquétipos e o inconsciente coletivo, ed.vozes: 2006.
Melo, Origem e totalidade, 2002.
material do centro de estudo de cabala.

quarta-feira, agosto 23, 2006

Novo Amor; o amor do novo.


É, amor, a vida é dura. Eu sei. Por quantos cantos mais caminharei? Em quantas galaxias mais viajarei? Só nos resta prosseguir a estrada, só nos resta subir a montanha do vale da morte. Por sobre abismos atravessar. A vida é dor, eu sei, Amor. Velhos sabios já diziam: é necessário o caos para dar luz a uma estrela cintilante; é necessário atravessar o abismso, mesmo sendo periogoso bambear e cair. Campos de neve, vejo bem. Meus sonhos me contam coisas inacreditaveis meu bem, e os seus também. É um mar de ondas que nos segue. Eu peço um barco, será que ele vem? Segure firma na escada da vida. Suba, sempre. Suba sempre. Segure firme. Te protegerei. Entre o choro e o risco há sempre algo sagrado. A vida sempre brilha, ela iradia Deus em cada canto, em cada raiar de dia. E novas manhãs trazem sempre novos frutos, e novos dias, mesmo que dolorosos, são sempre maravilhosos.

terça-feira, agosto 15, 2006

O Ar-condicionado.



O chão cinzento, algumas latinhas de refrigerante jogadas no chão. Ele olhava de maneira indireta e desfocada aqueles objetos. Chutava um, chutava outro. Andava pisando nos pisos quadriculados daquele asfalto comum das ruas do centro do Rio de Janeiro. Carioca, o nome do bairro. Carioca, era o que ele era. Sacou um cigarro do bolso, acendeu-o com seu isqueiro de um real. A fumaça cruzou seus óculos e vagou para o céu.

Caraca! Tenho que ver o Luis hoje. O cara ficou de me passar umas xerox´s que tenho que tirar pro trabalho.

- Renata! Cara! Como foi aquela festa? Me conta amiga! Falava gesticulando Rosa, com os braços afoitos e um sorriso sociável.

- Cara! Tu perdeu! Porra! Fiquei com o Tuninho, depois fomos pra um motel fodasso e, porra, foi foda..

João tira seus óculos escuros; abaixa o cigarro, como um sinal de continência, e olha para aquelas duas mulheres passando, como numa passarela. Olha para trás. O rebolado, o swing, as nádegas. Meu Deus! Pensa com o tesão. Da um suspiro e volta para seus pensamentos habituais: Xerox, trabalho, a porra do patrão. Olha para o relógio. “Ainda da tempo, ainda da tempo” reflete, chamando o tempo como seu advogado de defesa.

O relógio reflete o sol escaldante. Entre trinta e cinco e trinta e sete graus, acreditava ser essa a temperatura, e certamente não estava errado, o sol queimava a pele, mas, para aquele cidadão carioca, trabalhador e andarilho, aquilo era mais do que habitual. A espera do ônibus, que não tardaria a chegar, João fazia as contas de cabeça para ver a que preço ficariam as xerox´s.

Entra no ônibus. O motorista sai enquanto ele ainda está no primeiro degrau. Ele não se assusta, afinal, isso já é de praxe. Passa sem dizer bom dia para o motorista. Pega o dinheiro de sua carteira comprada no camelodromo da Uruguaiana; demora um pouco a achar as moedas certas para completar a passagem. Nisso, uma pequena fila se cria, mas nada muito anormal. O ônibus, ao ir de encontro a zona norte, se depara com uma blitz, ali por volta de Rio Comprido. Vários policiais com fuzis maiores que eles mesmos prenunciam uma guerra.

- E ai! Me conta tudo! Quero saber os detalhes! Como foi? Ele é bom de cama?

- Caralho! Tinha que ver. Mo pauzão. Achei que nem ia caber. Foi lindo.

As duas riam e riam, iam comprar uma comida no Giraffas, comeriam uma das opções dos pratos econômicos. Passam por diversos mendigos, garotos de rua e até mesmo uma pequena discussão entre camelôs, mas nem sequer reparam em nada disso. A conversa delas transbordara dentro daquele mundo particular. No final, o giraffas acaba por ficar caro, pois elas queriam economizar para comprar algumas roupas, e resolvem comer pasteis no chinês.

Um puta engarrafamento atrapalha a viajem, mas João nem se percebe do fato. Estava viajando demais para perceber essas pequenas sutilezas. Pensava em Sartre: “O homem está condenado a sua liberdade”, “O homem é essencialmente livre”: questionava-se abruptamente e entrava em conflitos aparentemente indissolúveis. Livre arbítrio e determinismo, eis do que se tratava sua reflexão. Olhou para o relógio. Da um suspiro. Merda, pensa, não vou conseguir chegar na hora e o patrão vai me dar um puta esporro.

Já tiradas as xerox´s, algumas horas depois, ele chega ao trabalho. De volta à pequena saletinha num escritório no centro da cidade. Entra na sala, com ar condicionado, do seu patrão. Olha aquele sujeito de 1,82 de altura, uns 85, 90kg, cabelos levemente grisalhos e com uma cara de que acabou de sair do inferno e lhe diz: “Chefe, já consegui trazer tudo”. Este lhe responde, com uma evidente falsa indiferença, como se responde a plebe: “Porra. Por que tanta demora? Ta ok.. ta ok... vai lá.. Ó só. O Renato não vai poder cobrir até as 21 horas, então tu fica ai, beleza?”. João olha pra baixo. Faz um olhar reflexivo, mas não pensa. Responde: “Ta bom” e sai. Demora ainda o bastante para ver seu patrão comendo um ovo, ainda cru, com casca e tudo.

Preso no serviço, como o gado às cercas, João vê da janela seu patrão sair em seu novo Vectra, com ar-condicionado, modelo novo. Começa então a pensar sobre luta de classes. Pensa sobre sua realidade. Começa a rir, apesar de não haver nada engraçado. Vê, pela janela, bonitas mulheres passando e olha seus peitos e bundas. Pensa em como seria bom estar fazendo sexo no ar condicionado essa hora, ah, ah, ah. Começa a cantar “Life is a lie” e esquece do tempo.

Ela vai para casa, após o dia de trabalho como secretária, e pensa no que gostaria de comprar no shopping. Lembra-se de que precisa pensar primeiro no que vai comer, pois já estava tarde e seu almoço tornara-se resumido a dois pasteis de queijo e um caldo de cana. Resolve ir comer espetinhos e, ademais, isso seria ótimo, pois ela estava sozinha em casa e não suportava a solidão, nem tão-pouco pensar demais consigo mesma. Na venda de espetinhos, Renata, ao menos, teria a possibilidade de conversar com algumas pessoas e, quem sabe, até tomar uma cervejinha. O seu grande dilema era que já havia perdido quase 60% da novela que passava na Globo e naquela altura ver os 40% da novela não poderia absorvê-la naquele mundo paralelo.

Uma longa chuva começa a jorrar na cidade, com grandes raios. João, o revolucionário, chega em casa bem tarde. Não pensa muito em comida, depois de tudo terá muito tempo para comer. Senta no seu pequeno cubículo. Seu quartinho bagunçado por planos e papeis, papeis e mais papeis. Tudo girava em torno do seu motivo, de sua razão de viver, o assassinato de Lula, não o crustáceo, mas o presidente. As paredes do quarto pixadas, algumas garrafas de bebida vazia completavam a decoração. Havia na sala a mesinha, de um bambu antigo, e um som com entrada para fita e cd.

Tudo já estava certo. Sexta feira, dia 23, seria o momento. Lula nesse dia faria um comício para os trabalhadores de um sindicato que ficava próximo ao seu trabalho. João pensava minuciosamente as posições, tempo, posicionamento dos guardas, o ângulo em que poderia atirar, a iluminação. Calculava como um matemático. Na verdade João era muito inteligente, contudo, sempre fora um estranho no ninho. No seu colégio os garotos não se davam muito bem com ele, pois João era muito calado – e ainda somava-se que, além de estranho, possuía um cabelo estilo porco-espinho, o que não lhe rendia popularidade. Desde moleque sempre foi um pouco excêntrico, um pouco fora da lei, das normas. De um tempo para cá, todavia, ele estava ainda mais distante das pessoas, ainda mais voltado para si, só que na forma de planos vingativos, tempestuosos. Diria-se que sua timidez bonita, com aquele toque especial de ingenuidade, havia se transfigurado em perversão. Mas era apenas a opinião popular.

“Sim... sim... tudo bem... claro que eu vou boba!” Dizia ao telefone. Sua alegria manifesta era clara. Estava muito feliz por ter sido convidada para uma festa dos sindicatos, quando o próprio Lula, quem diria, estaria presente! Renata evidentemente não era PTista ou qualquer coisa do gênero, na verdade, ela nem se importava com política. Não que ela dissesse “política é coisa de gente doida” ou “política não importa para o povo”, ela simplesmente não dizia nada. O que lhe chamava atenção era a possibilidade de estar perto de alguém famoso.
Trinnnnn... Trinnnnn..

- “Alo”. Fala João, com uma voz um pouco rouca pelo sono e pelo stress.

- “Alo”. Diz a voz firme do outro lado.

- “Oi patrão” diz João, com um toque de raiva e com um Q de submissão.

- “João. Escute. Aquela sua sexta feira de descanso... você pode remarcá-la?” É obvio que a pergunta já pressupunha a resposta:

- “É claro patrão”.

- “Ok então. Depois a gente conversa”.

- “Ta bom”

- “Tchau”.

João então começara a refletir, pós-ódio, que a sexta feira referente era a do dia 23, dia em que marcara para assassinar o presidente. Por mais surpreendente que isso parecesse, para o João revolucionário, João trabalhador nunca havia desobedecido a uma regra do seu patrão e isso parecia conspirar contra seus planos. A primeira guerra seria, portanto, interna.

O dia anda. O tempo voa. Dia 22, 2:30 da manhã, João ainda estava acordado com um enorme conflito psicológico. Transgredir as regras bem estabelecidas da sociedade formal, a qual, já havia se acostumado, submetido, ou transgredir as regras de uma parcela de sua personalidade, deixando seus planos hiper-organizados de longa data a ver navios? No final, ele acaba por dormir em meio ao mar agitado... Durante a noite sonha que estivera num lugar muito escuro, numa noite um tanto sombria, até que raios começam a cair e um deles o acerta, transformando-o em pó, um pó dourado. Ele acorda suando, e de repente, fez-se o dia. Já são 7:30 da manhã. Na verdade, ele tem que sair correndo se quiser ir ao trabalho.

Ele começa a andar de lado a lado da sala. Fica afoito. O mundo roda a mil. Berra! Berra!!! Arranca os cabelos! Essas foram apenas algumas das sensações e atitudes de João. De fato, o que ele sentiu é indescritível. Uma duvida moral que ele não estava pronto para lidar. Começara a pensar que o assassinato de Lula, por mais desgraças que este cometera, de nada adiantaria e que, não obstante, não seria humano. Humano? Pergunta-se. Humano! Vem a resposta, de alguma parte de seu corpo a qual ele não consegue identificar. Não que se tratasse de um caso de esquizofrenia ou algo congênere, mas uma dissociação do Eu, que já a tempos se ensaiava tornara-se manifesta.

Renata, ansiosa pela festa que Lula estaria presente, resolve ligar a tv, pois já estava muito perto da hora da festa e essas horas ela ficava demasiadamente ansiosa. Na tv, eis que está passando um programa muito estranho, canhestro e démodé, no entanto ela resolve vê-lo. Trata-se de uma luta de titãs, algo como um desenho infantil. Ela não sabe identificar o nome, ou coisas assim, sem nexo. Um dos titãs tem a aparência semi-humana, como um poderoso monstro com dois braços, boca, nariz, duas pernas, etc., e o outro é algo como um grande robô, bem protegido sobre seus metais, imperfurável, dir-se-ia, até ele ser perfurado pelas garras da fera. A luta titânica que se passava acabara por derrubar aqueles dois gigantes e no chão, nisso um espírito apareceu, enquanto os dois se preparavam para re-começar a luta. Ela desliga a TV, já está cansada de baboseira...

Ele treme! Treme! Parece que terá uma convulsão e começa a chorar...

- Oi amiga. Eu estou saindo de casa já! Diz Renata, abrindo a porta enquanto fala em seu celular.

- Vou sair... Eu vou matar aquele filho da puta! Diz João para si mesmo e bate a porta com toda força.

Já na rua João vê o sol cintilante, como brilhando para ofuscar o seu dia de gloria. Aquela luz quererá dizê-lo alguma coisa? Ele passa acelerado, faz sinal, mas o ônibus não para. Era evidente! O destino conspirava contra ele. Ele começa a blasfemar contra Deus. Maldito! Por que essa provação? Tu nem sequer existes! Tu és um vilão! Tu és um tirano! A mudança de tratamento muda, mas ele nem sequer se da conta, agora utilizava somente a segunda pessoa do singular.

Entra no ônibus. Engole a saliva. Passa pela roleta. Começa a rezar. Paulatinamente João vai se acalmando, mas ao invés de seus pensamentos retornarem ao normal eles cessam. Ele já não pensa em nada. Neste instante ele desce do ônibus, havia chegado no local da festa, os seguranças lhe pedem o convite, ele os mostra. Entra.

- O convite senhorita.

- Aqui está.

- Obrigado. Pode entrar.

Então ela entra, com seu vestido vermelho e seu salto alto, com suas nádegas malhadas e sua cocha torneada, sorrindo, como se algo excepcional estivesse ocorrendo. Ela muda o ar solene que poderia devir em ocasiões como essa. Alguns homens olham admirados para aquela bela forma que, por mais que se pareça superficial, ainda possui um brilho oculto que atravessa o ar.

Renata se senta numa cadeira e toma um gole de vinho, servido com quitutes por um garçom. Logo após, vê João. Acha-o atraente e fixa o olhar nele. Ela se sente estranha na verdade, pois, sentia algo muito forte o qual não conseguia identificar e, o que era para ser só tesão, transforma-se num sentimento singular ou, ao menos, invulgar.

João não vê nada. Seus olhos grudados nos dois lados daquela festa anunciam seu nervosismo, ele soa como um maratonista. Sente um medo profundo, está frio, gelado. Pensa compulsivamente: “Vou matá-lo, vou matá-lo”. Suas mãos tremem, ele come dois salgados. Sua visão se desfoca. Ele solta uma leve risada. Uma velho senhor senta ao seu lado. Ele teme que o senhor seja da policia.

- Olá. Diz o velho senhor barbudo.

- Oi. Diz a voz rouca, grogue, dissimulada de João.

- Da onde você vem? Pergunta o senhor, com um leve sorriso ameno no rosto.

- Como assim? Que diabos afinal o senhor quer saber?

- Bem, me desculpe, eu nem ao menos me apresentei. Chamo-me Thiago. Venho do norte, estou na casa de minha irmã, vim passar uns tempos aqui e vim no lugar dela, para tomar um vinho e comer uns bolinhos, he he he. Você entende, não?

- Ora senhor! Não vê que me importuna? Diz João, já totalmente fora de si. O velho, com efeito, deixará-o mais confuso do que já estava.

- Bem, não me leve a mal. Mas o jovem me parece perdido, não sabe de onde vem e nem para onde vai. Para que está aqui? Bem. Calo-me, pois vejo que não sou bem visto, he he he. Irei tomar um vinho, pois ganho mais assim. Boa sorte meu jovem. Fique com a fé.

Algo na conversa parece ter mexido com João. Ele estava tonto. Começa a se perguntar o que está fazendo naquele local estranho, grotesco. Assusta-se bruscamente na possibilidade de matar o Lula! Assusta-o somente o fato de ter pensado nisso! Será que o velho estaria dizendo algo importante? Começa a ponderar cada questão, minuciosamente. Ele olha para os dois lados, procura saber se não está sendo vigiado. Vê Renata o olhando, não compreende. Assusta-se. Ela vem na direção dele. “Que diabos, que diabos!” Pensa João, “Será que ela já sabe tudo?? Será que a policia me descobriu?”.

Ela veio andando, lentamente, e a cada passo que dava, uma fumaça branca saia do chão. Seus olhos brilhavam como a de uma felina. O batimento cardíaco de João aumentara violentamente, o tempo torna-se lerdo, muito lerdo! Ela não pensava em nada. João tremia. Renata então começava a sorrir. Ele temia sorrisos. Abriu a boca, aproximadamente uns 3 centímetros, deixando-o boquiaberto; a sua espinha estava congelada, ele, apesar de tudo, não desviava o olhar, para ele se tratava de uma guerra, para ela, de um sonho.

Ela chega perto dele. Ela o beija. Ele chora.

O sol se põe com toda força. Lula sai andando entre a população sindical que, por mais que o odeie, e todo seu partido, no momento sorri para a celebridade que ali se encontra. Fotógrafos tiram fotos, seguranças o protegem. Lula caminha para um palanque, onde começa um discurso emotivo sobre algo que, evidentemente, pouco lhe importa.

Renata segura João com um abraço, abraça-o forte, João chora muito. O tempo se fecha e começa a chover, a chuva torna-se, com o tempo, tão forte, que o discurso de Lula se torna impossível naquele local aberto. Ele vai embora, com toda sua imprensa.

- Eu ia fazê-lo, eu ia fazê-lo, diz arrependido, não por gostar de Lula, continuava a não gostá-lo, via-o, com muito realismo, como um ladrão, um usurpador, um mentiroso, vendido, entre outros adjetivos veneráveis.

- Não importa mais, não importa mais, agora estou contigo.

- E o que faremos agora?

- O que você acha que faremos?

- Eu não posso voltar para o trabalho, eu não posso voltar para aquela vida, só me resta desbravar novos caminhos, mesmo que várias barreiras me impeçam.

- Vou contigo onde você for!

Correram então e roubaram, sorrateiramente, o carro de Lula, após deixarem desmaiadas suas sentinelas, as que protegiam a carruagem. Pisaram levemente no pedal, de modo a não deixar vestígios e, quando a primeira sentinela ameaçou olhar, plan, eles já não estavam lá. Como ninjas haviam feito já um pequeno trabalho social.

João sabia que, desde aquele momento, não poderia mais travar um passo para trás, não poderia mais se subordinar e viver a vida de outros, não poderia mais servir como um escravo. Tomou as rédeas do cavalo. Voou. Eles, João e Renata, trataram de desenvolver diversas potencialidades que lhe eram inerentes e estavam latentes para sobreviverem, ou melhor, viverem e, com tal força, que seria pouco compreensível ao mais ávido economicista que crê que se é moldado pela economia e processos de produção atuais. Não. Eles não eram a antítese necessária do próprio sistema. Eles não eram a escoria social. Eles não eram adaptados aquele estado de coisas. Eles eram singulares. Únicos. Como que por um segundo portais de outro mundo tivessem sido abertos, e, nesses portais, eles não temeram entrar.

Tornar-se único, em alternativos campos, exige independência, insubordinação, força, auto-estima e parece que foi isso que eles desenvolveram.Viram o dragão surgir com toda força, viram-no com suas cascas duras, viram-no obstruindo seus destinos. Isso já era o bastante para matarem-no, com uma lança encravada no peito. E, depois de um bom tempo, tornaram-se lendas. Surgiam e desapareciam rapidamente, de estranhos ninhos, de estranhas colméias, trazendo o mel, doce.

Hoje só se pode citar, como diz um velho andarilho, uma frase do antigo João, que foi um grande herói de seu tempo. Ele costumava dizer, lembra o velho: “Não precisamos de ar-condicionado!”.