quarta-feira, junho 28, 2006

Madrugadas


É madrugada no Rio de Janeiro, por volta das 2:30 da manhã, o relógio da esquina de uma das ruas desertas do centro do Rj marca 17 graus centígrados. Prédios comerciais com as luzes apagadas, ruas calmas, com alguns mendigos aqui ou lá dormindo pelas calçadas, só se escuta o barulho do vento.

Num hospital psiquiátrico, localizado numa esquina, tudo se parece como todo resto do centro, luzes apagadas, o silencio domina a noite, se não fosse a exceção de um jovem andando por aqueles corredores. As luzes piscam, sobre o clima cinzento. Das sombras aparece um vulto. O jovem olha sobre as fumaças de sua percepção e vê surgir uma mulher linda, com cabelos negros como a noite, compridos, 1,70 de altura aproximadamente, perto dos 23 anos, seios médios, magra, mas para o jovem, apesar dele ter reparado muito bem tais atributos, aquilo não era o essencial naquele momento, o fato era: ela corria como uma louca atrás dele com uma faca!

A perseguição se iniciara perto ainda da entrada, onde havia uma escada de cerca de 17 degraus, o lugar escuro possibilitava que a qualquer momento o jovem esbarrasse numa das quinquilharias largadas pelo chão e caísse condenando-se ao esfaqueamento. Ele olha pra trás, suando, e vê a mulher ainda seguindo-o, frenética. Os olhos dela brilhavam, como o olho de um animal, havia algo de lindo e algo de terrível.

A perseguição chega a um local onde o jovem vê finalmente uma luz. Uma sala de computadores, com uma luz 60 watts acessa, ao canto da sala, deixando uma fraca iluminação sobre aquele antro de escuridão e caos. Ele observa bem, procura fazer uma ressonância do local; uma alma viva, reza por uma alma viva para lhe ajudar. Não vê ninguém.

O jovem olha para trás e parece que seu destino já estava traçado, desde eternidades indecifráveis. A sua esquerda a sala de computação, a sua direita uma parede, as suas costas uma escada com cerca de 17 degraus e a sua frente à linda jovem com uma faca na mão e um olhar de gato. Ele vai à direção dela. Ele a beija. Ela segura sua mão e ambos descem a escada, de 17 degraus, abrem a porta e saem para a rua.

Um olhar entre-penetrante. Olham o relógio frio da madrugada estranha: 3:20, avisa ele. Soltam leves sorrisos um para o outro. Um carro aparece. Eram os amigos dela. Ela sobe no carro. Ele vai embora.

No fundo o jovem sabia, que ela com ele, se parecia.

Futebol, simbolismo e copa do mundo!


Mediante a copa do mundo em faze de realização, resolvi escrever um pequeno esboço sobre o simbolismo e alguns aspectos relacionados ao futebol. Ainda mais, por estarmos num país que ainda, andando por pernas tortas para descobrir sua identidade e cultura, louva a dança do futebol. Que possamos fazer essas pernas tortas dar dribles de Garrincha, e não cair no chão, é o meu desejo para nossa história.

Não acredito que possamos dizer simplesmente que o futebol é “bom” ou “ruim” para a sociedade na qual vivemos, tal como um título brasileiro na copa do mundo seria para o Brasil. Isso seria um reducionismo exacerbado e não nos faria questionar. Certamente, o que podemos dizer, é que o futebol faz parte da cultura brasileira e da nossa população, e que certamente há uma identificação profunda do heróico trabalhador brasileiro, que passa seus dias trabalhando para ganhar um salário mínimo com o heróico jogador da seleção com seus salários milionários.

O futebol certamente é um esporte que apresenta uma série de mitos e símbolos, e em especial numa cultura emotiva e “dionisíaca” como a brasileira um jogo pode chegar a tornar-se uma espécie de ritual. Começando a abordar estes mitos, é de destaque, sem duvidas, a presença do mito do herói nas partidas de futebol. Parece-me haver, ao menos, dois heróis fundamentais numa partida: o time como um todo, e algum herói escolhido pela coletividade, ou seja, pela torcida. A figura do herói é marcada pela passagem de desafios intensos em sua vida, como acontece com todos os heróis clássicos e para tal é exigido sacrifício, esforço, determinação e alcançar, ao menos, os limites do ser humano. Uma pergunta fica: “Qual seria hoje o herói individual da seleção brasileira?”. Parecia-me o Ronaldinho Gaúcho, mas hoje tenho minhas duvidas se esta projeção ainda é valida.. Outro exemplo interessante é o do Ronaldo que, quando estava jogando bem, era louvado como herói, mas bastou esta projeção arquetípica ser desfeita para transformar-se em vilão.. e, novamente, aos poucos, faz desgarrando-se da raiva do torcedor.

O mais interessante no futebol é seu aspecto instintivo, sua ligação com a corporalidade, em especial com a parte da metade inferior do corpo: “as pernas, o quadril, os pés” que sempre significaram a ligação com os instintos, tendo inclusive, devido sua proximidade, relações com os órgãos sexuais. Esta parte da corporalidade sempre foi reprimida pela cultura ocidental (eu diria, como Byington, que todo arquétipo matriarcal foi reprimido), que louva o racional, “as luzes iluministas”, e esqueceu-se do aspecto irracional humano, a espontaneidade, e também a energia à qual nos leva ao nosso si-mesmo. Um exemplo canhestro foi vivido por mim, ao escutar uma pessoa dizer sobre um torcedor vestido de índio: “que absurdo esses torcedores! Querem levar o pior de nossa cultura! Nosso lado animal!”. Não é sem causa que precisamos de um Nietzsche para tentar equilibrar e compensar nossa típica unilateralidade.

A partir daí começa-se uma série de ligações simbólicas com o feminino. A própria corporalidade, emoção exacerbada, espontaneidade são características da anima. Um grande numero de estádios, quase todos na verdade, possuem uma forma oval, próxima a um circulo, e muito similares as mandalas (ou círculos sagrados). Estes círculos, além de representarem a totalidade e a tentativa de reintegração da psique, eram usados para delimitar um espaço ritual e realmente parece que uma partida pode ser um ritual. A bola é mais um exemplo de circularidade presente no futebol, onde todos os jogadores disputam-na para serem os heróis da partida e garantirem a vitória de suas equipes.

Outro aspecto marcante é a semelhança do futebol e das torcidas com os antigos coliseu romanos, só que sem a matança deliberada. As regras do futebol, nesse sentido, parecem tentar estabelecer um dialogo através da punição entre os dois duelistas, lembrando uma guerra de titãs. O futebol, sobre esse viés, poderia ser então um melhor modo de lidar com nossa guerra, ao invés de sair matando todo mundo =P..

Talvez o futebol seja além de um modo de “acalmar” e “passivizar” o povo também uma expressão autentica onde a torcida faz também parte do espetáculo ritualístico e re-integra-se a uma consciência coletiva (ou egrégora) podendo servir de ponte a um desenvolvimento ou uma dissolução do inconsciente coletivo num afloramento emocional e perca da identidade, o que nos lembra muito aliás, os rituais dionisíacos, os ditirambos.

Po! Aqui tem muito pano pra manga... Certamente tem aspectos positivos e negativos num jogo de futebol ou numa copa do mundo... Por um lado existe até mesmo traços positivos na identificação com figuras heróicas o que leva a pessoa a tentar criar seu mito pessoal, mas por outro, na cultura capitalista, toda expressão autentica da alma humana é tragada pelos ditames do capital, e sacralidade corre sempre o risco de ser possuída por esse mito do Rei da Frigia, o Rei Midas que transformava tudo que tocava em ouro.. No inicio ficava muito feliz, mas não tardou a ver que aquilo transformara-se em uma maldição..

Midas e o ouro

Rei da Frígia, famoso por sua irreflexão; o único a saber que ele tinha orelhas de burro era seu barbeiro, a quem ele ameaçara de morte se o revelasse a alguém; não agüentando guardar o segredo, o barbeiro abriu um buraco no chão e gritou para dentro dele que o rei Midas tinha orelhas de burro; no lugar cresceram juncos que, agitados pelo vento, repetiam essa frase, logo ouvida por todos; segundo outra tradição, Midas pediu a Dionísio que lhe concedesse o dom de transformar em ouro tudo que tocasse; mas não pôde mais alimentar-se, pois toda a comida que tocava transformava-se em ouro; para se purificar, banhou-se nas águas do rio Pactolo, cujo fundo ficou coberto de pepitas de ouro.


Fechemos com a frase do Dada Maravilha: "O Gol é o Orgasmo do Futebol!".. salve ele! =)

base para o texto tirada daqui: http://cidadedofutebol.uol.com.br/site/vip/materias/vermaterias.aspx?idm=832

segunda-feira, junho 26, 2006

O Arma-Zen.


Armazem, de estranha roupagem,
não te mostras por fora,
constantemente, me pergunto, quem dentro de ti mora?
só fico perplexo ao observar,
o mar de luz, e o mar de trevas!
que dentro de ti está.

Mil garrafas de vinho enfileiradas,
algumas abertas, outras trancadas
esperando o tempo certo para se abrir
enquanto nos corredores,
se escuta o vazio dos passos.

Um xerife observa os corredores,
e reprime a ansia do malandro de roubar,
uma mulher, da vinho a credores
em sua enorme ansia de amar.

O armazem certamente é um lugar estranho,
indeciso, contido e tacanho
Que escondes nestas tuas fileiras de gris?
Cemitério de cimento ou movimentos de uma atriz?

segunda-feira, junho 19, 2006

Ética em Aristóteles, Ethos e Ética na modernidade.


A palavra ética etimologicamente provém do grego ethos – εθος que significa “morada, casa”, ou ainda, morada do ser humano (Veríssimo). Boff ainda aponta, seguindo essa linha de raciocínio, o significado: “toca do animal” provindo da palavra grega ethos. Ampliando suas significações podemos dizer que ethos é o “conjunto de princípios que regem, transculturalmente, o comportamento humano para que seja realmente humano no sentido de ser consciente, livre e responsável” (Boff, 1999: 195). De fato, o ethos não significa um a priori no ser humano e sim uma construção através da práxis, dos atos praticados por este. Veríssimo então conceitua que ethos é um costume, habito não natural, mas adquirido, sendo portanto “Comportamento que resulta de um constante repetir-se dos mesmos atos. (...) O ethos, nesse caso, denota uma constância no agir (hábito) que se contrapõe ao impulso do desejo (impulso natural)” (Erbolato apud Veríssimo).

Ethos, portanto, significa o cuidado com a totalidade (holos) do nosso planeta e nossas relações, com nossa casa (oikos) não permitindo que ela seja destruída. Estar na ética a partir desse prisma significa, citando um alquimista alienado em seu contexto, compreender a frase “Quod natura reliquit imperfectum, ars percifit” (O que a natureza deixa imperfeito, a arte aperfeiçoa).

Retomando a cultura do cuidado e “construindo uma casa que todos nela possam caber” (Boff, 1999: 27), possibilitando um desenvolvimento sustentável estamos retomando esse significado essencial da ética para com o planeta. Também a ética está intimamente ligada ao nosso contato com outros seres humanos, trazendo o zelo e a atenção pelo outro. Como dizia Marin Heidegger (1889-1976): “Do ponto de vista existencial, o cuidado se acha a priori, antes de toda atitude e situação do ser humano, o que sempre significa dizer que ele se acha em toda atitude e situação de fato” (Heidegger apud Boff: 34), ou seja, o cuidado é um modo essencial do ser e não uma conseqüência. É um modo ontológico. Esse modo de cuidado já havia sido observado antes de Heidegger embora com um ponto de vista evolutivo por Darwin (1809- 1882) e antes desse pelo anarquista e geógrafo Peter Kropotkin (1842- 1912) conforme observa George Woodcock (história das idéias e movimentos anarquistas v.1).

A ética teve uma força muito grande entre os antigos gregos, não é por menos que o termo ethos proveio de Heráclito de Efeso (filosofo pré-socrático). Aristóteles, por exemplo, dava excessiva responsabilidade ao homem ao afirmar: “O homem é um animal político” (zoon politikos) reforçando além de sua postura animal que o “homem é um animal racional” e está intimamente ligado ao destino da Polis (cidade). O bem que o homem procura é o bem comum.

Aristóteles afirmava que existia uma variação incrível de “bens”, mas que, todavia, o bem supremo, ou per si, era a felicidade. Aristóteles em Ética e Nicômaco I,2 diz: “Existe, no entanto, no que fazemos, um fim, um bem, uma realização que desejamos não em vista de algo que lhe seja hierarquicamente mais importante. E sim, o fim último, a finalidade máxima, uma realização desejada que possui o maior valor para nós, ou seja, para todos os seres humanos. E que, a partir dela, todo o que seja desejado seja em função dela” (Aristóteles apud Veríssimo) e afirma este sumo bem (summum bonum) “A felicidade, a consideramos a mais desejável de todas as coisas, sem contá-la como um bem entre outros. (...) A felicidade é, portanto, algo absoluto e auto-suficiente, sendo também a finalidade da ação” (ibid: I, 7).

Fatalmente em nossa época, hoje chamada pós-moderna ou de capitalismo tardio, entendemos felicidade como algo relacionado ao Eu, em especial as sensações. Vivemos em uma época individualista onde: “A indiferença pura designa a apoteose do temporário e do sincretismo individualista” (Lipovetsky, 1983: 39). Nesta época o conceito de felicidade se prolifera de maneira polimorfa, numa atomização sem fim, parece haver uma especial ênfase na felicidade através do consumo, onde “Ser feliz” é “Ter objetos”, ter carros, imóveis, mulheres ou homens-objeto, em suma, coisas não-vivas que são associadas através da sedução da mídia a “modos de ser” , como consumindo um cigarro a pessoa passa a “ser” radical, ser um grande esportista, e outros paradoxos análogos.

O paradigma vivenciado hoje nos parece um individualismo radical como de Max Stirner, o pensador alemão que pensou a tese do “Einzige” (único) que cresce e se expande a medida em que possui. O único movimenta-se a medida em que utiliza as coisas ao seu propósito, ou seja, tomando-as como sua propriedade privada. De tal modo a única realidade valida para ele, tal como a única felicidade, seria a felicidade de sua volição, de sua vontade.

A felicidade em Aristóteles, a qual falamos, passa a distancia desta felicidade “hedonista” à qual nos reportamos na “pós-modernidade”. A felicidade para Aristóteles é “um bem desejável em si mesmo em que não requisita nada mais” (Veríssimo), o homem para Aristóteles “nasceu para a cidadania” (Aristóteles apud Verissimo), e logo visa o bem comum.

Aristóteles já atentava que o senso comum (aquele ao qual não reflete) já não compreendia o sentido da felicidade, pois achava que esta se fazia no sucesso e na vida bem regrada (i. e). Ele então observa que: “(..) uma vida dedicada aos prazeres torna os homens ‘semelhantes aos escravos’ e é uma existência digna de animais” (ibid, I, 5), e ainda acrescenta que o senso comum muitas vezes vê a felicidade como riqueza, onde: “a vida dedicada a ganhar dinheiro é vivida sob compulsão” (ibid) e nas pessoas bem situadas socialmente a felicidade centra-se sobre suas honras e por tal, não alcançariam a felicidade, pois: “A honra depende mais de quem a confere do que de quem a recebe, enquanto o bem supremo nos parece ser algo (...) que dificilmente pode ser arrebatado” (ibid, I, 4).

As semelhanças do senso comum da época de Aristóteles com a nossa obviamente são inúmeras. Na cultura onde o narcisismo impera a todo o momento se inclina a compulsão, na ávida necessidade de possuir. Para Aristóteles, contudo, era a virtude (arete) que nos levava à felicidade. Aqui temos ainda que tentar desvelar o que Aristóteles queria dizer com virtude. Ele nos diz: “O sucesso e o fracasso na vida não dependem dos favores da fortuna, mas a vida humana, como dissemos, também deve contar com eles; na realidade são nossas atividades conformes à virtude que nos levam à felicidade, e as atividades contrárias nos levam à situação oposta” (ibid: I, 10).

Ao homem, através da razão, é possível agir com virtude, pois para atingir o bem comum “ele tem que agir com razão. Então tem que ser uma racionalidade que integre pensamento + vontade (de realizar o bem através da ação)” (Reale apud Veríssimo) e finalmente “Dessa forma o bem do homem como excelência nada mais é do que a virtude, pois a virtude é a melhor e mais completa excelência, o mais completo bem” (ibid). Ampliando o sentido de virtude encontraremos ainda a outra forma de apresentá-la, ela é “uma mediania entre os extremos que são a falta e o excesso” (Veríssimo). Ela rompe com os extremos, com as atitude unilaterais às quais podemos tomar, pois, como diria Nietzsche somos o “humano, demasiado humano”. A virtude nos parece como o lugar onde “O sujeito, ao romper com a repetição inerente aos complexos infantis, ruma para o livre arbítrio” (Melo, 2002).

Sabemos que esta posição de mediania que caracteriza a virtude “(..)não é um ponto matemático” (Aristóteles apud Veríssimo, II, 6) pois pertence a práxis, a prática e não simplesmente a abstrações, por tal, a virtude é em essência uma sabedoria prática. Para alcançar a virtude é preciso “o desenvolvimento da moderação (mediania) entre o medo e a violência incontida” onde “O desenvolvimento se dá pelo exercício” (ibid). Segundo Aristóteles “É possível errar de muitos modos (...), mas só há uma maneira de acertar. Por isso, errar é fácil e acertar é difícil – fácil errar a mira, difícil acertar o alvo. Pelas mesmas razões, o excesso e a falta são características do vício, e a mediania a virtude: Pois os homens são bons de um modo só, e maus de muitos modos”. (ibid: II, 6).

Conclui-se que se, por um lado, a felicidade e a ética são tomados por um modelo sustentado pelo egoísmo e pela cobiça des-medida, por outro, a ética Aristotélica é a busca por um bem comum, por um bem que resultará uma melhoria social, à Polis. É o encontro com a mediania que só pode ser encontrada através da práxis, saindo dos extremos que seriam compulsivos e estariam no âmbito da falta de liberdade. Concluir-se-á, logo, que o ethos é uma busca por, com-paixão, cuidar de nosso planeta e dos seres humanos que nele habitam.

"Quando batemos com uma mão de encontro à outra ouvimos um som. Qual é o som produzido por uma só?” (Introdução ao Zen-Budismo: 37. Sukuzi).

Bibliografia:

Boff, Leonardo; Saber Cuidar, ética do humano - compaixão pela terra. Ed. Vozes, 1999.
Lipovetsky, Gilles; A Era do Vazio. Ed. Gallimard, 1983.
Melo, Elizabeth; Mergulhando Num Mar Sem Fundo, 2002.
Veríssimo, Luis; Introdução ao estudo da ética
Veríssimo, Luis; Aristóteles – Ética e Nicômaco

terça-feira, junho 13, 2006

Voila le monde moderne!


Onde atingiu aquele raio? O chão evapora como a água vaporizada pelo calor, os valores se desintegram e o eclipse se torna reluzente. Marilyn Manson grita que o único Deus bom é um Deus morto. A grama seca, os mares param, todos observam qual o próximo movimento. Será o Homem o único Deus? O grande valor agora será o vazio de valores? Ou o faça o que tu queres do Mr. Crowley irá retumbar por uma era de Ubermanche.

As brumas de Avalon se abrem paulatinamente após a morte de Deus. A natureza passa a andar com suas próprias pernas, Maturana retoma seu antigo nome: “Gaia”. Os animais passam a ter uma memória coletiva, os campos morfogenéticos são abertos por nossa ressonância mórfica, Sheldrake resgata a totalidade – holos do mundo. A luz infinita cabalística retorna de sua tumba. Cantos pagãos são cantados a luz do dia: “Bom dia”, falam entre irmãos, nos gramados em frente a prédios de 50 metros de altura.

Do outro lado da rua acontecem protestos ávidos de óleo disel. Os tecnocratas do século XIX e XX dizem que a opus da scientia, o summum bonum da humanidade, ainda não morreu. Contudo, um pequeno viajante, grande observador, diz em praça publica: “As maquinas morreram!”, mas o solitário só foi escutado pelas moscas e pelas formigas, que alias, ficaram escandalizadas. A razão psicoide moderna, diz o menino, é a do animal racional, “zoon politikos” como diria o antigo Aristóteles. Todavia, quando diz isso, os tecnocratas meio confusos, meio felizes e meio irritados, resolvem dar algumas pílulas medicinais para o garoto e gritam estupefatos: “Ave medicamentos”. A loucura precede o hospício.

Já no hospital psiquiátrico, chamam-no de pirado e doente, mas com termos humanizados. Ele então põe no chão alguns de seus livros, para que após possa dar uma folheada. Enquanto senta para meditar com as pernas cruzadas (dhyana) lembra-se dos princípios do budismo: “’Então, qual é o principio último do budismo’, perguntou o monge ‘É o cipreste do pátio” respondeu Joshu’”. Olha então de entreolho para seus livros e vê lado a lado obra de Freud, Buda, cibernética, Cristo, Tarot´s, livros de auto-ajuda e manuais de mecânica. Numa discussão sobre o caso do menino, os psicólogos energéticos dizem:

“Invariavelmente falta a ele o ‘Nome do Pai’”, “Sim” concorda o outro doutor: “O menino está fora-da-lei, é um problema da foraclusão (o termo provindo do francês cai muito bem) do Nome do Pai”. O garoto, escutando de sobressalto o dialogo, dos senhores doutores, faz uma observação, em Francês, para não passar longe da revolução positivista: “Les machines êtes morte”. Por sorte os psiquiatras e psicólogos não escutaram a blasfêmia.

Um novo deus caminha por entre as florestas, por entre as cidades, por entre Avalon, e cruza os cidadãos com raios abomináveis. Não é o capital, do senhor Marx. É o consumo extremo tomado como paradigma de uma nova era. Os valores são agora inseridos através de propagandas que aguçam o complexo repitiliano dos seres, produzindo seretonina através de “propagandas sintéticas” (LSTV – Louvada seja a televisão). A sexdução do consumo generalizado. A coisificação absoluta, seja criada através da alienação da vida enquanto todo, ou através da inter-relação sujeito-objeto.

Meu pai! Onde vamos parar? – pergunta o bêbado na porta do bar.
- Eu não sei! Eu não sei! Responde o discordiano iluminado.
- Parem o mundo que eu quero descer – grita o poeta atormentado.
E todos confusos seguem por entre os gados.

segunda-feira, junho 12, 2006

Análise, Psicoterapia e Psicosintese.

Como alguém pode ficar preso a analise para encher-se de demonios? Já não basta os demonios que temos que aturar em nossa existência? As terapia, analises, psicosinteses deveriam existir para nos trazer mais felicidade e não nos encher de neuras. O que me adianta ter uma suposta consciencia de meus determinantes se isto irá gerar um sem número de angustias não passiveis de síntese? O que me adianta ser um angustiado supostamente curado?

sábado, junho 10, 2006

Olhos


Fecham-se os portais,
Do oceano azul celeste
É demasiado tarde,
As flores perderam seu lilas.

O açogueiro corta a carne,
Separa as tripas, o coração e os rins
Os animais ficam histéricos
Preocupados com seus fins.

Cada carne é uma carne,
Umas são macias e outras duras
O açogueiro imprime em seu rosto
As marcas do prazer e diz:
Somos deliciosamente desnecessários

A pergunta ressoa neurótica:
Será possível nadar novamente?
Ou continuaremos molhando os pés
Para não morrermos ininterruptamente?

O sonho de criança não foi perdido,
Diz o filosofo carcumido
Mas por traz de sua carcaça mal cheirosa
Brilha voluptuosamente aquela rosa

Não mais aquela rosa da separação,
A rosa pálida
Mas sim a rosa bela,
Vermelha, branca e verde
Linda, mas não mais incendiaria.

terça-feira, junho 06, 2006

Escavando


Entorpecido pelo não-entorpecimento,
Mas sem cimento, deixo o eclipse passar
Aguento as contas, mas nem tanto assim..
Eu não consigo deixar, totalmente
O chorinho me levar..

Como o peixe nada, eu ando,
Como a gavião voa, eu flutuo.
E sigo andando pela estrada de tijolos,
Cavando meus buracos esotéricos
E observando que: ainda há vida no cemitério!

Demonio maldito que abençoo,
as vezes, me enterra
numa chuva acida de duvidas aereas
meu amigo, eu te amo!
mas deixe-me acentar um pouco,
sobre este meu jeitinho de topeira!



O bixo da foto é um ORICTÉROPO e tem "focinho de porco, orelhas de mula e cava tocas de baixo da terra como uma topeira! Por isso, é também chamado porco-da-terra pelos sul-africanos". Ele "Tem hábitos solitários e noturnos: dorme durante o dia em sua toca e, à noite, sai à procura de alimento. Não corre com rapidez e isso o torna um animal cauteloso e tímido". Mais informações: http://www.saudeanimal.com.br/curio11.htm

segunda-feira, junho 05, 2006

Sobre o 1o Ato do Comite Pró Voto Nulo.



Saímos todos as ruas, neste 3 de junho, para mostrar as caras a população. As 10 da manhã lá estávamos, na praça Saens Pena, zona norte do Rio de Janeiro, com cartazes, faixas, megafone, panfletos, corpos e almas. Já no caminho a praça Saens Pena ouvimos a voz popular se manifestar da boca de uma senhora: “É isso mesmo! Vamos votar nulo! Nenhum deles presta!”. Não. Não precisávamos de muito esforço, parecia que já estava no ar tudo aquilo que almejávamos falar.

Ao chegar a praça Saens Pena, de fato, vimos que aquele prelúdio do ato demonstrara-o em sua totalidade. A população, em grande peso, saudou-nos. Estava clara a desilusão da população na política partidária, estava clara a insatisfação com a roubalheira obsessiva da classe política – ou, dever-se-ia dizer, classe parasita? -. Distribuímos panfletos, marcamos um ponto para colocar nossos murais, de aproximadamente 1,5 metro cada, onde ficavam sempre algumas pessoas para conversar diretamente com a população, enquanto esta, poderia ver através das várias reportagens coladas no mural, a degeneração que se tornou, ou melhor, sempre foi, a política brasileira.

Todo o tempo o clima manteve-se excelente. Fomos calorosamente recebidos e raras foram as vezes que ouvimos pessoas defenderem os políticos. O ato mostrou-nos, com efeito, que a confiança deve ser retomada. Existe uma luz no fim do túnel! A população, aos poucos, parece sair de sua passividade e dizer: “Não. Já basta!”. Esperamos, e lutamos com afinco para isso, que esta “Basta!” seja muito mais do que mero protesto. Que este “Basta!” que todo gritamos a céu aberto, seja por uma política além do voto, que seja por um novo modelo de organização, por uma vida mais justa, humana e digna para todos os seres humanos.

Poesia aos olhos de Maria


Nós pedimos com insistência:
Não digam nunca: isso é natural!
Diante dos acontecimentos de cada dia.
Numa época em que reina a confusão.
Em que corre o sangue,
Em que se ordena a desordem,
Em que o arbitrário tem força de lei,
Em que a humanidade se desumaniza,
Não digam nunca: isto é natural!

Bertold Brecht

sexta-feira, junho 02, 2006

Relato de um Despejo e a Glória dos poderosos

Texto Escrito por Tyler Durden (http://www.1936.blogger.com.br/)

Sete Horas da noite, terça-feira; às pressas somos avisados sobre uma ordem de despejo já emitida pela justiça, de um prédio ocupado no bairro da Glória, Rio de Janeiro. Partimos para o local pela primeira vez e somos apresentados aos moradores e a ocupação, tentando passar nossa solidariedade ao difícil momento que estes enfrentavam.

Na assembléia é fácil perceber que o clima é tenso e a quantidade de apoios, serve no mínimo para injetar ânimo nos presentes para a difícil batalha que se seguiria.

A palavra de ordem é RESISTIR. E não poderia ser diferente, são as casas e as vidas de seres humanos que estão em jogo, não há neste momento como esperar um suposto "fortalecimento da democracia", esta para nós já se mostrou frágil há muito tempo. A ocupação não tem um nome específico, foi feita "espontaneamente" pelos seus ocupantes, o que comprova que mesmo sem a presença do estado ou de líderes iluminados, os oprimidos conseguem tomar para si o que assim lhes diz respeito. Nos apresentamos rápidamente e tentamos compreender da melhor forma possível o contexto da ação de despejo, para organizar uma ação de apoio. O prédio, como muitos outros espalhados pelo mar da especulação imobiliária, permaneceu abandonado por vários anos, sem cumprir nenhum tipo de função social. A estória é confusa, mas pelo que sabemos a suposta proprietária era na verdade uma grileira profissional que alugava os apartamentos para os moradores e reivindicava sua propriedade, os moradores tentaram até realizar uma compra do imóvel, mas sem sucesso. Segundo documentos dos próprios, o verdadeiro dono é o já extinto INPS, conforme o registro imobiliário confirma sem maiores dúvidas. Os moradores (a esmagadora maioria composta de trabalhadores e donas de casa) no entanto, reformaram o prédio, fizeram diversas melhorias, alheios às obscenidades do poder público.

Não há tempo para maiores conversas políticas, a situação urge uma saída prática. Na assembléia tentamos passar nossa experiência com a ação direta, dando exemplos práticos de como os moradores podem reagir. Estes já estão convencidos de que não há mais saída jurídica, e devido às circunstâncias críticas só há uma saída: a luta.

Alguns conselhos e sugestões são dados, mais só a realidade objetivamente poderia ensinar-lhes os caminhos dificultosos da luta de classes em sua versão mais transparente, como confirmariam os próximos acontecimentos.

Às seis e meia da manhã, a polícia militar chegava com seus dois micro-ônibus e quarenta minutos depois, efetivamente começava a ação de despejo.

Os portões do prédio foram acorrentados e soldados pelos moradores, para dificultar a ação dos invasores. Os apoios estavam em número numérico reduzido, devido a dificuldade em se criar uma estrutura de solidariedade em tão pouco tempo. Os advogados(um da ocupação e do grupo de apoio) tentaram negociar, mas em ações como esta, a política do governo mostra sua face mais determinada. Sem possibilidades de negociação, sem poder financeiro e alijados da cidadania do capital, as dificuldades se avolumavam categoricamente. Ao questionarmos o ato violento e arbitrário a uma das oficiais de justiça, esta se limitou a responder que "justiça é justiça e deve ser cumprida".

Justiça segundo a definição do dicionário: "é a virtude moral que leva a dar a cada um aquilo que é seu, ou aquilo a que fez jus". Como assim? Que justiça é esta? Expulsar 60 famílias e crianças de um prédio há anos abandonado é justo? Sob que lógica? A da propriedade privada? A do capital?

Nossa insatisfação e nossos argumentos incomodaram a ponto de sermos ameaçados de prisão por uma das oficiais de justiça que conduzia a operação sob a alegação de atrapalhar a operação. Fomos então, expulsos pelos policiais para longe de um dos portões de acesso ao prédio; onde um trabalhador (por ironia) contratado pelos agentes da repressão, tentava quebrar uma das correntes que salvaguardava o prédio da ação violenta do Estado. Os moradores se organizaram muito bem, apesar do pouco tempo que dispunham, portões estavam tão bem fechados, que foi preciso mobilizar outras forças do Estado (Bombeiros) para invadir o prédio. A única câmera que não era da polícia militar foi impedida de filmar a ação mais proximamente.

A polícia "estudava" formas de agir, em determinado momento, invadiram a casa ao lado da ocupação(sem mandado judicial "diga-se de passagem" configurando invasão de domicílio) para entrar no prédio, causando pânico e provocando a retirada da moradora pela maca dos bombeiros, pois esta passava mal devido ao estresse nervoso. Do lado de fora, um policial usava spray de pimenta indiscriminadamente, mesmo tendo ciência da presença de crianças no local. Um membro do conselho tutelar dizia que estava presente para salvaguardar as crianças, confrontado com a pergunta de para onde elas iriam se houvesse despejo, este se limitou a gaguejar hipocritamente, dizendo que "não sabia".

Ninguém "sabe de nada" no estado Brasileiro, sabem apenas incentivar as pessoas a enfeitar as ruas em épocas de copa do mundo em troca de prêmios e alusões cínicas de um patriotismo que serve apenas ao interesse dos poderosos.

Ao conseguirem abrir o portão, não sabíamos exatamente o quê se passava dentro do prédio, o som das crianças chorando e dos gritos resumiam muito bem a política social do Estado quanto à reforma urbana: combate-se a pobreza e a desigualdade social oprimindo os pobres e defendendo ferozmente a propriedade privada. No caso da prefeitura, esta não poupou recursos para a operação, Polícia Militar, Tropa de Choque, Bombeiros, Conselho Tutelar, Justiça Federal e até mesmo a Comlurb estava presente, para ajudar a ¿varrer¿ os indesejáveis. Para se ter idéia da disposição com a qual a prefeitura tratava o caso, contamos um efetivo de no mínimo 70 policiais, armados com metralhadoras, granadas de efeito moral, escopetas e spray de pimenta, sentíamos a verdadeira sensação de estar no meio de uma guerra civil. E realmente estávamos; esta era uma guerra mais cínica e demagógica é verdade, uma demonstração aberta e explícita da guerra entre classes.

Em poucos minutos o local tornava-se palco de um verdadeiro espetáculo midiático, a mídia burguesa, representada por diversas redes de televisão, jornal e rádio chegavam ávidas por um bom pedaço de notícia, que recheassem seus noticiários de violência. Com o despejo consumado, alguns moradores recusavam-se a dar entrevistas para a mídia, já que esta foi chamada para noticiar o caso há anos atrás e nunca apareceu.

Os repórteres eram nitidamente mal intencionados, e tentavam sempre induzir os moradores entrevistados por meio de perguntas tendenciosas a legitimar o despejo. Muitos deles acompanhavam a ação da polícia tão próximos, que às vezes os confundíamos com agentes da secretaria de segurança, devido a "afinidade" clara entre o primeiro(O Estado) e o terceiro poder(mídia).

Por volta das 10:30, os ocupantes começavam a retirar seus pertences para não haver mais violência. Muitos se perguntavam: Para onde vamos agora? Para onde vamos? Infelizmente para esta pergunta o Estado não tinha resposta. A lei já fora cumprida. A suposta ¿justiça¿ foi feita e o resto não importava aos agentes do poder. Um prazo de 24h ou 48h foi negado e a presença do corregedor da câmara obviamente uma ação de caráter político para abastecer as câmeras de tv com mais lixo demagógico, apenas sacramentou a ação odiosa da prefeitura.

Tentamos na medida de nossas forças, providenciar locais para que estes se abrigassem e estabelecermos contatos para futuras ações de solidariedade.

Uma bandeira amarela numa das fardas dos policiais, me fez lembrar a copa do mundo e as ruas enfeitadas pelos habitantes das urbes brasileiras e o apelo cínico da mídia ao patriotismo. Unir especuladores imobiliários e sem-teto, burgueses e assalariados, opressores e oprimidos sob uma única bandeira é uma tentativa de mascarar os conflitos inevitáveis da desigualdade capitalista, mas a ação do poder público apenas reforçou nossa tese, de que este poder é um poder privado, que defende interesses particulares.

Onde estavam os partidos políticos, os políticos profissionais, as ONGs milionárias? Talvez escrevendo algum artigo acadêmico ou alguma tese que confirme que o voto "consciente" é o caminho para mudanças sociais e que a democracia representativa é a saída para problemas como estes. Porém, acontecimentos como estes, apenas servem para reforçar em nossos corações que "não haverá paz para os opressores enquanto não houver justiça para os oprimidos". Não uma justiça fictícia restrita a retóricas acadêmicas e a salões, mas uma justiça real. Uma justiça revolucionária.