sábado, dezembro 23, 2006

Pois não existe natal no consumo.

Deus está proximo
mas difícil de apreender.
Onde, porém, há perigo
cresce também a salvação"

Holderin em Patmos (Tipos Psicológicos, 254).

Aumento no congresso

Aumenta em 90 e caralhada porcentos o salários de nossos digníssimos senhores, mas não doutores, representantes. Sim. Avacalhação total? Imagine. Estamos em festa, tempos festivos. Vinte e quatro mil? Não perceberam que o número vinte e quatro é pra dizer que eles são gays? Não gente, não é insulto. Se trata de outra coisa. Se trata de festa.

Festa de arromba, que arroma sem dó. Peguei um estágio agora, em saúde mental, ganharei 327 reais por 20 horas semanais. Alguem com nível superior que passe para um cargo público em psicologia começa ganhando por volta de 1.200 reais, um artística plástico já ganha por volta dos 800. Vinte e quatro mil. É justo, afinal, são tempos festivos. Não existem ocupações de sem teto, não existe movimento sem terra. Não existe miséria. Alguém já viu um mendingo na rua? Não mintam, é obvio que nunca viram, pois aquele que dormem na rua é porque estão de ressaca, pois estamos em tempo de festa, e eles estão comemorando!

A festa as vezes passa da conta, na vodka, na cachaça ou no dinheirinho. Então uma senhora biruta pega uma faca e mete no sujeito neto do senhor ACM. Ela mete, é claro, porque estamos em tempos de festa e, em festas como a nossa, é possível essas coisas de "inversão sexual". Então ele pegou a faca e meteu, meteu no fundo. Deve ter doido, mas tem gente que gosta, afinal, é festa!

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Conversas: Da Repetição a Criação.


Parte III: A Inserção do Tempo e do Intempestivo

Saiamos do campo da crítica, que tanto consome. É preciso deixar de ser reativo e passarmos a afirmação, afirmação de um modelo que de conta da invenção. Ou seja, temos que sair da reprodução de imagens separadas, da internalização de um ente morto, um ente doente em sua reificação. Kastrup[1] fala que é necessário o tempo, o intempestivo, mas, na verdade, ambos não se confundem. Temos que saber separar o tempo cronológico, causal e mecânico, do que é acausal, incerto ou demasiadamente complexo. Os gregos faziam esta distinção no que eles chamavam de tempo cronológico e kairótico. O tempo cronológico, representado por uma reta, é um tempo constituído na linearidade, continuo, mas ordinário. Causal e mecânico, por conseguinte, ordinário. Ordinário porque é o tempo da repetição, apesar de ser também o tempo da ação, mas se tudo fosse causa, a causa última seria a causa de tudo. Na psicanálise identificamos esse “Dieu” no “complexo de Édipo” e, de maneira banal, toda interpretação onírica ou de um caso acaba levando ao mesmo ponto invariante, ao mesmo ponto central.

Central é o ponto que tocamos. Não falo aqui de qualquer masturbação, mas do que é intempestivo, daquilo que acontece como um relâmpago e nos tira do lugar, aquilo que produz uma alteração profunda no comportamento, e modo de ser, daquele sujeito que estava parado no sinal da esquina da central do Brasil. Nietzsche chamava aquele sujeito adaptado demasiadamente, a seu tempo, de decadant. Clamava não só pelo intempestivo, mas pelo extemporâneo, pois o bonito no homem é ele ser uma travessia e não um ponto final.

Mas voltemos a cognição, especialmente a Bergson, grande amigo. Bergson falava de diferentes “planos de consciência”, onde, através de uma metáfora piramidal, ele começava sua falação. “A pirâmide é formada em sua base por representações que são imagens, as quais, possuindo a forma da percepção, estão próximas da matéria. Em seu topo, estão situadas representações condensadas, dotadas de virtualidade, como o ‘esquema dinâmico’” (Kastrup, ibidem: 98-99).

Aqui podemos ver uma ampliação do conceito de representação, pois inclui um esquema dinâmico, onde existem, em virtualidade, representações condensadas, permitindo a criação de uma multiplicidade de imagens possíveis. A busca de uma palavra, de um som, de uma imagem é o esforço de invenção, ou seja, não se trata de algo causal, onde há reversibilidade. Na psicologia, a qual antes citamos, vamos ver esse esforço inventivo, criativo tanto na psicologia complexa de Jung como na esquizoanálise de Deleuze e Guattari, ambas as psicologias, diga-se de passagem, influenciadas por Bergson e Nietzsche.

A inteligência, como dissemos, não está no lugar do conjunto de representações previstas, previsíveis; podemos ainda tentar ampliar nossa compreensão sobre esse conceito, sem ter a pretensão de defini-lo. Segundo Bergson ainda, a inteligência tem uma diferença interna, e passa das representações mais repetitivas à representação mais virtual. Com essa compreensão de virtualidade podemos nos localizar numa criação que não é nem pura “solução de problemas”, sendo portanto representação provinda de re-cognição, nem provém “ex nihilio”.

[1] - Kastrup, A invenção de si e do mundo. : uma introdução do tempo e do coletivo no estudo da cognição, 1999: SP, Papirus.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Conversas: Da Repetição a Criação.


PARTE II: Inteligência Artificial e a Lógica da Representação

As teorias de Piaget e da Gestalt podem ser chamadas de cognitivismo e, na atualidade, encontrarão novas teorias “semelhantes” a elas como o estudo cognitivo da inteligência artificial (I.A). Podemos, primeiramente, falar de uma I.A forte e outra fraca, a primeira se refere a um isomorfismo entre a cognição entre humanos e computadores e a segunda sugere uma equivalência fraca entre ambos (apenas mesmos grafos e resultados).

Na I.A forte podemos perceber, logo de cara, uma dissociação da percepção com a consciência e com a experiência, isto é, falamos de um modelo formal invariante de cognição. Formas duras, impermeáveis ao intempestivo, a experiência. Pensamos, seguindo essa lógica, que a maquina pode pensar, além de possuir memória. Qualquer critica a esse modelo não pode negar que a maquina possui um conjunto de signos armazenados, seguindo sua lógica binária, onde a lógica 0-1 corresponde à abertura e ao fechamento de circuitos eletrônicos. Representar signos não significa, entretanto, inteligência.

A I.A parece buscar Kant para seu estudo (aproximação estudada por Joelle Proust), procurando conter todas as possibilidades de cognição dentro de dois eixos: O real e o possível, sendo o possível o plano das condições a priori e o real o plano dos conhecimentos efetivos. Nesse estudo não existe lugar para a invenção, já que todo real é limitado pelo a priori, existe uma estrutura invariável assim como as categorias a priori em Kant. A idéia de maquina universal, com em Turing . Se os estudiosos da I.A forte acreditam na inteligência dos computadores, talvez se deva a um erro na conceituação de inteligência. Jogar xadrez, por exemplo, ainda não é inteligência, pois todos os movimentos são passiveis de serem armazenados num conjunto de representações inertes, i.é, num conjunto de signos limitados. A inteligência, ao contrário, se manifesta no cotidiano, em situações onde somos levados a todo tipo de incertezas, ao intempestivo (de fato, ela pode se apresentar de muitas formas, desde formas intelectuais, a sensuais, sentimentais ou intuitivas). No cotidiano, não basta um conjunto de repertórios condicionados, pois o tempo todo somos levados a desbravar por novos caminhos e nos adaptarmos, ou não, a novas situações.

Cabe, portanto, uma discussão epistemológica. Segundo Varela as teorias da representação, como o caso da I.A, se dividem em duas posições: o realismo e o idealismo. O realismo afirma a existência dos universais antes da coisa (ante rem) e que os conceitos gerais existem em si mesmos, a modo das idéias de Platão (Jung, Tipos Psicológicos, 1991) já o idealismo fundamenta a representação na unidade do sujeito cognoscente (Varela). A I.A segue, como mostramos, um modelo realista, só que não o realismo filosófico, mas um realismo cognitivo, pois tem interesse nas representações que dependem da interação com o “ambiente”. O realismo cognitivo permanece, no entanto, no espaço intermediário (após conceituaremos as diferenças entre intermediação e mediação) entre sujeito e objeto tratando ambos como espécies de mônadas representacionais (lembrando Leibniz), ou seja, regiões pré-dadas em “relação”.

Se conhecer fosse de fato representar, estaríamos num mundo atemporal, onde existiria apenas re-cognição, ou seja, apenas re-visão “do mesmo”. Aquilo que se repetiria eternamente, a mesma imagem, o mesmo som, o mesmo cheiro, o mesmo caixão.

Não gostaria de me estender, apenas coloco então que muitas criticas poderiam se apresentar a tese da I.A dura, por exemplo, ao conceito de informação (em contraponto à cognição inventiva e a noção de agenciamento). Seria também importante um estudo sobre a aprendizagem, que não a limitasse ao famoso “decorar matérias” e resolver problemas já dados. Aprender é antes des-cobrir um outro, agenciar-se com ele (usando os termos deleuzianos) e descobrir onde há afetação, onde a um novo descobrimento de si e do mundo. Para mais informações sobre a I.A vejam o livro de Levy “As tecnologias da inteligência”, assim como Kastrup: “A invenção de si e do mundo” e “Maquinas Cognitivas: da cibernética à autopoeise”. É, eu também tenho que ver muita coisa..

[1] - Essa conceituação é feita por Z. Phylyshyn.
[2] - http://pt.wikipedia.org/wiki/Máquina_de_Turing_universal

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Conversas: Da Repetição à Criação

(post alterado)

PARTE I: Modelos Invariantes e a Lógica da Representação.

Pretendo apenas começar uma conversa entre discursos, sem recheio de citações, especialmente sobre o tema da invenção, ou da criatividade. Uma conversa crítica. Por criatividade não compreendo o movimento de solução de problemas simplesmente, por mais que a criatividade também possa passar por essa esfera de resoluções, mas também como criação de novos problemas e surgimento de algo que não se limita à mera representação, isto é, a repetição.
As escolas cognitivistas em psicologia, como a Gestalt e a Psicologia do desenvolvimento de Piaget, baseada em sua epistemológica genética, acabam por ressaltar a re-cognição na base da cognição e da percepção. Ressaltar a recognição significa dizer que elas, ao abordarem a cognição, criaram modelos de aprendizagem ou percepção “normais”, na relação entre sujeito e objeto, ambos objetificados, onde não haveria margem para uma modificação desses modelos. Acabam, portanto, por louvar um modelo estruturalmente fechado de cognição, de percepção, que limita o sujeito por remetê-lo a um “instituído” cognitivo, ao invés de abrir margem a modificações estruturais, da própria lógica que se baseiam.
A Gestalt, por exemplo, foi influenciada pela fenomenologia de Husserl, e procurou os invariantes perceptivos, como as leis da boa forma (o eidos do fenômeno, após a observação da variação eidética) no estudo da cognição. Ela acabou por falar da cognição como algo que está entre o sujeito e o objeto, na relação entre ambos, pressupondo duas categorias ontológicas distintas e marcadas, como se pode observar, por leis invariantes. Isso abre margem, por exemplo, a considerar tudo que está fora dessas percepções invariantes como patológico, irreal.
A relação do sujeito com o objeto, mediada pela cognição perceptiva, seria limitada não por aspectos ontogenéticos, como a memória ou outras funções pessoais, mas, como eu disse, por modelos universais como as leis de “figura e fundo”, “proximidade”, “semelhança”, etc fazendo assim um contraponto ao behaviorismo em voga na época. Ela, todavia, acabava por tirar o sujeito do condicionamento que destrói toda criação e inseri-lo numa nova lógica que também acaba com ela. Dessa forma, tudo que foge ao equilíbrio da boa forma retornaria a ela, mesmo que sobre um outro aspecto. A criatividade ai se resumiria aos famosos inghts, que seriam reestruturações cognitivas, que não podem ser confundidas com invenção, pois se trata, na melhor das análises, em meras “soluções de problemas já dados”. Logo, a cognição mesmo quando sai de seu foco padrão, se voltaria a um outro padrão, a uma outra forma cognitiva a priori.
Já Piaget, apesar de colocar o tempo no estudo da cognição, colocá-la no próprio desenvolvimento ontogenético do sujeito, acabou por não escapar das mesmas invariantes. Na teoria de Piaget, com sua lógica científica, uma pessoa se limita a sua própria estrutura cognitiva momentânea, para assimilar ou não determinado fato. Existem, para essa teoria, diversas estruturas cognitivas hierarquizadas (a criança precisa de descentrar para apreender outra lógica e se recentrar num modelo superior). Falando das fases do desenvolvimento da criança, acaba por limitá-las a um mesmo processo universal e generalizante que massacra o diferente, que não está contido em suas categorias. A lógica que o move é a lógica científica e, no movimento teleológico que cria, acaba por identificar o desenvolvimento final com a ciência positivista, com a criação das hipóteses dedutivas no pensamento do sujeito.