domingo, julho 08, 2012

Conversas


Bom dia, eu digo. Bom dia, eu costumava dizer. Era um costume: “Bom dia”. Eu costumava a perguntá-la: como estão as coisas, como está a casa, a vida, o cachorro, o sabor de flocos das nuvens de algodão. “Tudo bem”, é claro, sempre era a resposta e ficávamos conversando como se a pergunta sobre as coisas, a casa, a vida, o cachorro, o sabor de flocos das nuvens de algodão fossem apenas um prelúdio possível, dentre outros, para conversarmos aquela conversa. Para conversarmos aquela conversa, que sempre começava pelas coisas, pela casa, pela vida, pelo cachorro e pelo sabor de flocos das nuvens de algodão, partíamos de um início e, também, havia um final. Mas o excitante era sempre o meio, o caminho da conversa. Daquelas conversas que não se vê mais nos dias de hoje. Daquelas conversas que não se vê mais nos dias de hoje porque não temos mais tempo, assunto, espaço, lugar ou porque nunca começamos pelas coisas, pela casa, pela vida, pelo cachorro e pelo sabor de flocos das nuvens de algodão. Algo mudou, e se não foi o tempo, os assuntos, o espaço ou o lugar, eu não saberia dizer o que foi. Talvez o tempo. O tempo mudou. Não é mais como antigamente, quando escutávamos longas músicas de vozes estridentes. Sim, deve ser o tempo, que não permite que joguemos ele fora, escutando longas músicas de mulheres de vozes estridentes. Ou então porque nunca mais falamos sobre as coisas, a casa, a vida, o cachorro, o sabor de flocos das nuvens de algodão. O balanço da cadeira hoje vai e vem sozinho, quase solitário. A lua surge no céu pela noite e, no final da noite, sai para dar lugar a estrela de fogo. O tempo mudou. Não é mais como antigamente, quando escutávamos longas músicas de vozes estridentes, ou quando podíamos conversar sobre as coisas, a casa, a vida, o cachorro e o sabor de flocos das nuvens de algodão.

segunda-feira, janeiro 23, 2012

Fim de estrada


Ela atravessou aquele sinal e já era tarde. Era muito tarde. A noite já havia avançado e infringido as leis do transito. Lua em quadratura com saturno, o engolidor. Cada passo um descaso, um prelúdio do fim. Não queria, não queria – afirmou a moça. As paredes brancas, caladas, respeitavam o momento, mas também criavam um ambiente, um ambiente, um ambiente.... Sim, as emoções se apocalharam fora daquele vaso, daquela chaleira, tão verde e antiga como os séculos, o musgo, a dor, o estimulo a decadência. Imbricou-se em passagens ásperas, e esperou a dor chegar. Ele não iria ligar? Será que o aquecimento global era vazio de sentido? Os pensamentos rodopeavam e o sorriso era um feixe no meio da solidão. Não que não houvessem caminhos, outras com as quais ela poderia se relacionar. Talvez. E o talvez é sempre mortal, cortante com o razor, como a navalha. Tudo muito racional foi resolvido. Tudo resolvido muito racional. A razão se resolveu como se os sentimentos fossem mera casualidade, mas o chão tremia em cada olhar distante, em cada vazio atabalhoado com o corpo pressionado. A procura por voltas e retornos, por uma porta para a normalidade, para o instinto de preservação e repetição. Ela não queria descer a selva e correr o risco de ser caçada e abatida como um animal. O sonho há muito já havia sido corroído pelo horror da psicopatia social: forjada com ferro e lagrimas, no seio do ridículo. Ser forte é ser um imbecil. Não restavam muitos caminhos....